VAREJO – Mudanças irreversíveis
por Leda Cavalcanti
Muitas das mudanças provocadas pela Covid-19, que afetaram empresas e consumidores, são irreversíveis. Anteciparam tendências, como a integração do varejo físico com o digital, que ocorreria dentro de alguns anos pela própria dinâmica de mercado, e levaram o consumidor a transferir grande parte das funções que exercia no ponto de venda para o ambiente online. “Ele, que ia à loja para conhecer o produto, comparar, ver preço e prazo de entrega, passou a fazer isso no mundo digital. Pesquisa a fundo o que quer comprar e, assim, reduz o seu tempo na loja e o diálogo com o vendedor. É uma mudança extremamente importante”, diz o consultor Eugenio Foganholo, diretor da Mixxer e coordenador do Grupo Estratégico do Varejo de Eletromóveis (Geve).
Estar no mundo digital é essencial para a loja, afirma Eugenio. “O processo de transação é tão importante quanto o de informação no mundo digital. Quem não se prepara perde a venda. É no digital que o consumidor escolhe o produto, a loja e faz o contato pelo WhatsApp ou Instagram. A experiência facilita a compra. Foi o comportamento do consumidor que guiou o digital e alavancou essa mudança.” A pandemia também trouxe à tona fatores como produtividade e lucratividade. Ficou claro que é preciso melhorar o desempenho dos pontos de venda já existentes e não só abrir novos. “O que leva o consumidor à loja é o portfólio adequado à demanda, os lançamentos e a ausência de ruptura. A questão do preço perdeu importância”, acrescenta.
O desafio do varejo, agora, é ter uma gestão que consiga olhar para os vários aspectos e performá-los adequadamente para oferecer a melhor experiência ao consumidor, que passa pelo supply channel, meios digitais, site e entrega no prazo prometido. “É um conjunto de ações que incluem cuidar da ruptura, da assistência técnica, ter preço justo e crediário rápido e acessível. A loja física não perde importância, ela é o ponto de contato humano dos consumidores. Boa parte deles valoriza isso. No varejo online, são eles que fazem a jornada de compra, mas na loja física é o layout que a propõe. Não pode existir fronteira entre o físico e o digital.”
Modelo de convivência
Novos hábitos adotados na pandemia, como o trabalho em home office e o estudo ou reforço escolar remotos, vieram para ficar. “Todo esse modo de vida está baseado em produtos eletroeletrônicos, o que impulsiona a digitalização. A conectividade com a internet é essencial nesse modelo e colocou os eletroeletrônicos no topo da lista de produtos que continuarão a ser adquiridos. Eles fazem parte da nova forma de convivência”, diz Fernando Gambôa, sócio-líder de Consumo e Varejo da KPMG no Brasil e América Latina.
As lojas físicas deverão ser, cada vez mais, pontos de experimentação, de serviços e de coleta e retirada de mercadorias, com ambientes limpos e agradáveis, que mostrem produtos harmonizados e tenham preço justo.
Outra mudança foi possibilitar a criação de uma conexão perfeita para a indústria interagir com o consumidor, conta Fernando. “A indústria, que sempre foi reticente a vender para o consumidor final, passou a ter acesso a dados da LGPD, o que lhe dá um feedback essencial. O modelo implica criar uma logística urbana, mas é certo que um horizonte se abriu e vai ser incorporado. O canal pode representar de 7% a 10% das vendas. É uma mudança importante no ecossistema.”
A segurança pessoal também virou prioridade. O consumidor quer evitar o contágio da Covid-19 nas lojas físicas ou no recebimento de produtos que comprou online. É o que mostra o estudo “Consumidores e a nova realidade”, produzido pela KPMG, que ouviu mais de 70 mil pessoas no Brasil, Austrália, Alemanha, Canadá, China, Estados Unidos, Espanha, França, Hong Kong, Itália, Japão e Reino Unido. “As empresas precisarão se concentrar em entender essas alterações para criar experiências que despertem o interesse dos consumidores, bem como continuar investindo em protocolos e medidas que visem garantir a segurança no espaço físico”, explica Fernando.
Inovação constante
A pandemia intensificou, basicamente, o processo para a digitalização, diz Paulo Ferezin, sócio-líder do segmento de Varejo da KPMG. “Também identificou a necessidade de uma logística mais rápida e mostrou uma indústria mais centrada no cliente, tanto na venda direta como nas plataformas digitais. Indústria e varejo são complementares. A primeira coloca os produtos na vitrine, porque o varejista não compra tudo. Essa acomodação existe naturalmente. A logística é uma dificuldade, e o varejo, por sua vez, tem capilaridade. Houve uma grande transformação na comercialização.”
O varejo tradicional se mantém firme, mesmo com as mudanças. No entanto talvez seja preciso reduzir o número de unidades. “Cada loja vai ter que se adaptar e reinventar o seu espaço. O maior desafio é rever o seu papel, o portfólio de produtos e serviços para se tornar uma experiência diferenciada do digital. Ela vai prover experiência, não na parte transacional, mas sim em serviços agregados. É um processo constante de inovação. Algumas experiências estão sendo feitas para encontrar o melhor caminho, mas ainda não temos a loja do futuro”, explica Paulo.
As lojas físicas deverão ser, cada vez mais, pontos de experimentação, de serviços e de coleta e retirada de mercadorias, com ambientes limpos e agradáveis, que mostrem produtos harmonizados e tenham preço justo, diz o sócio-líder do segmento de Varejo da KPMG. “A continuidade da loja física está amparada, também, na necessidade real do consumidor de ver o produto. Há, ainda, um outro aspecto a ser levado em conta, pois hoje uma parcela relevante da população compra por crédito direto. Devemos olhar o Brasil com sua dimensão territorial. Precisamos do sistema pulverizado. O digital tem foco em grandes centros.”
Fonte: Revista Eletrolar News ed. 140