
Varejo fecha 1º semestre em alta, mas vendas perdem fôlego em junho e recuam pelo segundo mês seguido
A combinação de inflação, juros altos e endividamento recorde das famílias tem penalizado o desempenho do varejo brasileiro este ano. O setor fechou o primeiro semestre com alta de 1,4% frente ao mesmo período de 2021, mas veio perdendo fôlego a cada mês: na passagem de maio para junho, a atividade caiu 1,4%.
É a segunda retração seguida do comércio na variação mensal, segundo dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do IBGE, divulgados nesta quarta-feira. O IBGE revisou o desempenho do setor em maio, cuja estimativa passou de 0,1% para -0,4%.
— Essa perda de fôlego do setor está bem pronunciada quando observamos os dados por bimestre — analisa Cristiano Santos, gerente da pesquisa.
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Para analistas, o resultado pior do que o estimado do varejo nos meses de maio e junho apontam que o efeito de reabertura econômica, com o retorno das atividades presenciais e da circulação de pessoas, perdeu força antes do esperado. Pesa agora sobre o setor a conjuntura macroeconômica desfavorável, e não mais os desdobramentos da crise sanitária.
— Olhando o retrato do primeiro semestre, ficou evidente que do efeito circulação não vem mais ajuda. O principal problema é o IPCA na casa dos dois dígitos. O varejo está pagando a conta disso — diz Fabio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Em junho, as quedas mais intensas foram observadas no segmento de tecidos, vestuário e calçados, que recuou 5,4%, e no setor de hiper e supermercados, que possui peso significativo e cuja retração foi de 0,5% no período. Segundo Santos, o setor de supermercados sofreu de forma significativa o impacto da alta dos preços ao longo do primeiro semestre. Mas esse fator não ficou restrito a essa atividade.
Nove das dez atividades investigadas pela pesquisa apresentaram retração no volume de vendas, ou seja, quando já se desconta a inflação. Além da alta dos preços, a inadimplência em nível recorde é outro entrave ao setor porque torna difícil para as famílias brasileiras se comprometerem com novos gastos.
De acordo com Santos, gerente da pesquisa, a antecipação do 13º salário e os saques do FGTS ampliaram o dispêndio das famílias com o varejo no segundo trimestre, mas o uso desses recursos também foi utilizado para a redução do endividamento e pagamento de dívidas pelos brasileiros.
Quase 80% das famílias brasileiras tinham dívidas em julho, o maior índice já registrado nos últimos 12 anos, de acordo com levantamento da CNC.
Endividamento das famílias, inflação elevada e juros altos
Dependente de renda disponível e empréstimos, o setor de vestuário, por exemplo, ainda não conseguiu se recuperar do patamar pré-pandemia: está 9,9% abaixo do nível de fevereiro de 2020.
Santos explica que as empresas ligadas a esse segmento registraram avanços ao longo do ano em função de novas estratégias de vendas no comércio eletrônico, mas a atividade não se manteve imune a retrações, com uma queda intensa na passagem de maio para junho.
A única atividade que cresceu frente ao mês de maio foi a de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria. Segundo o IBGE, o aumento está associado aos artigos farmacêuticos e reflete a alta nos preços dos medicamentos.
— Esse é um tipo de produto que, na maioria das vezes, você não consegue substituir. Isso aumenta o dispêndio de uma família que pode ter que gastar nessa atividade e diminuir o consumo em outras — analisa Cristiano.
No comércio varejista ampliado, que inclui veículos e materiais de construção, a retração em junho foi de 2,3%. O segmento setor de veículos e motos, partes e peças registrou queda de 4,1%, enquanto o de material de construção recuou 1%.
De acordo com Isabela Tavares, analista da Tendências Consultoria, os segmentos mais sensíveis ao crédito como veículos, materiais de construção e outros bens duráveis já sentem os efeitos do custo de captação pela taxa Selic e pelo maior risco de inadimplência.
Sinais mistos para o segundo semestre
O cenário não é animador para o segundo semestre, que deve emitir sinais mistos. O mês de julho deve apresentar desempenho no campo positivo em função do corte do ICMS sobre combustíveis, o que deve fazer com que a venda de combustíveis e lubrificantes puxe a alta do varejo no mês. Só que a medida de redução dos preços se encerra em dezembro e é artificial, ou seja, os demais produtos seguem com preços pressionados dificultando o desempenho do setor.
O desempenho pode ser melhor no segundo trimestre, quando a PEC Eleitoral – que amplia o valor do Auxílio Brasil e prevê voucher para caminhoneiros e vale-gás para as famílias até dezembro – deve estimular o consumo no período e ajudar a segurar um PIB positivo às vésperas da eleição.
Mas o efeito dessa medida criada pelo governo não reverte a expectativa de uma economia mais fraca no fim do ano, diz Rodolfo Margato, economista da XP. Após a aprovação da PEC Eleitoral, a XP passou a projetar alta de 0,3% do PIB no terceiro trimestre ante estabilidade.
— Vemos um impacto do aperto da política monetária mais forte a partir da segunda metade do ano. Tem um impulso de renda que age de forma contrária, mas não é suficiente pra reverter o processo de arrefecimento da economia, só suavizar — explica.
O Índice de Confiança do Comércio (ICOM) do FGV IBRE recuou 2,8 pontos em julho, ao passar de 97,9 para 95,1 pontos. “a inflação e juros em patamares elevados e os baixos níveis de confiança do consumidor devem segurar uma retomada mais consistente do setor”, avalia Rodolpho Tobler, economista do FGV IBRE.
A CNC estima que, dos R$ 41,2 bilhões injetados na economia com a PEC Eleitoral, cerca de R$ 34 bilhões têm potencial para estimular o consumo no país entre agosto e dezembro. Enquanto a maior parte deve estimular o setor de serviços, somente R$ 16,3 bilhões vão para o varejo, o que significa apenas 1,1% do total do faturamento esperado para o setor no período.
Bentes avalia que os recursos ajudam no curto prazo, mas “não vai ser via Auxílio Brasil e via voucher caminhoneiro que as vendas do comércio vão bombar” e isso ainda cria um problema para 2023:
— Se a gente está num ambiente de inflação alta como esse, cujo índice segue acima de 10% no acumulado em doze meses, colocar recursos na praça nesse cenário tende a fazer com que o Banco Central tenha que deixar a taxa de juros alta por muito tempo. E isso pode criar um efeito reverso: o ganho que você tem no curto prazo pode ser anulado.
Após o resultado de hoje, a CNC reduziu a projeção de crescimento para o varejo restrito este ano de 2% para 1,7% por conta da clareza da pressão prolongada dos preços sobre a economia – o que leva o setor a voltar para o patamar de crescimento modesto visto nos anos anteriores.
E o desempenho fraco do comércio não deve se restringir ao ano vigente. A consultoria Tendências prevê alta de 1,7% para o varejo restrito este ano, e de 1,1% em 2023. Se confirmado, será a maior baixa do setor desde 2016, quando o setor contraiu 6,2% em meio à crise econômica. A projeção para o PIB no ano que vem está em 0,4%.
Segundo Isabela Tavares, o endividamento e a inadimplência em patamares elevados em um cenário de inflação e juros altos devem dificultam a atividade econômica em 2023:
— 2023 é um ano em que as incertezas e todo o cenário de política monetária deve impactar bem o ritmo de crescimento da atividade — completa Isabela.
Fonte: O Globo