Metaverso: caminho para um novo mundo
por Renata Perobelli Borba
O mundo começa a falar sobre o metaverso da mesma forma como se referiu à internet no início dos anos 1990. Naquela época, o modem de 56 k e o serviço de conexão discada eram a realidade, e poucos se arriscariam a prever as coisas que fazemos hoje no online. Popularmente, o termo ganhou força a partir da metade de 2021, depois que o Facebook anunciou foco total no metaverso (com a mudança do nome do grupo para Meta), e com a acelerada entrada de novos usuários em ambientes 3D, salas de jogos e em redes sociais fomentada pela chegada da tecnologia 5G de alta qualidade, com maior largura da banda e velocidade de download.
Meta significa além, já verso tem correlação com o universo, isto é, além dele. “Metaverso consiste em várias camadas de tecnologia, que vão nos colocar dentro dessa experiência físico-digital em espaços virtuais 3D compartilhados, interativos, imersivos e colaborativos. Todos podem se teletransportar para esse mundo paralelo usando um avatar digital, através do 5G, desde que tenham óculos ou devices de realidade aumentada ou virtual (AR ou VR). O metaverso não é uma experiência isolada, mas um espaço social”, explica Rafael Coimbra, editor-executivo da MIT Technology Review Brasil e autor do livro Cérebro Digital.
“Metaverso não é uma experiência isolada, mas um espaço social.”
A origem do termo metaverso não é recente. É da década de 1990, originalmente utilizado pelo autor de ficção científica Neal Stephenson em seu romance de 1992, Snow Crash, que relata um mundo virtual tridimensional, onde os seres humanos interagem uns com os outros nas formas gráficas de si mesmos, chamadas avatars. Uma década depois, em 2003, foi criado o Second Life, primeiro experimento similar que fracassou porque a maioria não tinha acesso à internet com velocidade de qualidade.
Plataformas
As plataformas provedoras da tecnologia do metaverso são as donas dos espaços. Assim, se a Meta construir, cabe a ela vender. Os players conhecidos são Microsoft, Qualcomm, Nvidia, Valve, Epic, HTC, IBM e Apple. Todos esses conglomerados de tecnologia estão sonhando com novas formas de conexão online. Segundo especialistas, não chegarão a 10 devido à necessidade de um investimento bilionário.
Para estarem no metaverso, indústria e varejo precisarão comprar espaços ou “terrenos” para adentrar no novo mundo, seja através de aplicativos, jogos, lojas virtuais ou, simplesmente, se apresentarem nesse novo conceito. Caberá aos desenvolvedores, programadores e cientistas da computação traçarem estratégias para explorar comercialmente esse mundo paralelo.
Em termos de negócios, o metaverso é uma oportunidade de a empresa se aproximar de seu público-alvo, aumentar receitas e posicionar a marca como inovadora. “Apesar de ser uma grande oportunidade de mercado para as companhias, ingressar no metaverso requer alto investimento, fazendo com que as grandes marcas saiam na frente”, comenta Kelly Carvalho, assessora técnica do Conselho de Economia Digital e Inovação da FecomercioSP. Outro ponto a considerar é a realidade brasileira em relação ao custo dos óculos de realidade virtual, que varia de US$ 400 a US$ 3.500, valores muito altos até para países desenvolvidos.
“Ingressar no metaverso requer alto investimento, o que fará com que as grandes marcas saiam na frente.”
Na prática, já existem ambientes similares ao metaverso, como nos jogos digitais (a exemplo do Roblox e Fortnite), que permitem a compra de produtos digitais através de criptomoedas, como o Bitcoin e/ou Ethereum. Nesse caso, há 2,8 bilhões de gamers no mundo que gastaram US$ 200 bilhões em jogos, em 2021. Na linha de frente desse pelotão, com projetos no metacommerce, estão a Epic Games, com seu Fornite, a Microsoft, dona do Minecraft, o Roblox e a rede social IMVU. No mundo, em 2021, foram gastos US$ 2 bilhões em headsets de realidade ampliada e virtual. Para 2026, a OmdiaResearch projeta alta de 148%, para US$ 16 bilhões.
Popularização
A curiosidade pelo metaverso é enorme no mundo inteiro, pelo entendimento que as pessoas começam a ter de que ele gera negócios. A ideia é que o pico de expectativa atraia investidores. A próxima onda envolverá as grandes empresas que precisam encontrar aplicações práticas e fazer com que isso seja viável para quem está do outro lado. “O metaverso só dará certo com a popularização da tecnologia”, afirma Rafael.
“É fato que a recente pandemia intensificou a busca por métodos alternativos de interação entre pessoas fisicamente distantes e, nesse quesito, o metaverso aporta valioso grau de conectividade para interações sociais ou até mesmo em ambiente de trabalho, permitindo, por exemplo, que reuniões digitais se tornem compromissos interessantes e agregadores”, conta Pedro Sanches, especialista em direito digital, privacidade e proteção de dados do Escritório Prado Vidigal.
“Não há acordo de que é preciso dispositivos com VR ou AR para chegar ao metaverso, mas eles andam de mãos dadas. E aí está uma grande oportunidade aos fabricantes e varejistas.”
O especialista em cultura de consumo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Benjamin Rosenthal, complementa: “A gente vai viver essa tecnologia de maneira muito intensa, mas ela tem que ser democrática para ganhar escala e chegar às lojas populares. O metaverso tende a começar elitizado e, depois, irá para as massas, assim como foi com o celular. Só que se passaram duas décadas até isso ocorrer.”
Tempo
Os especialistas ouvidos para esta matéria divergem no prazo para a popularização. Os mais otimistas afirmam que ocorrerá dentro de três anos, outros arriscam cinco anos, mas a maioria acredita no prazo 10 anos para as pessoas experenciarem a nova tecnologia, incluindo os brasileiros. Na prática, temos quase uma década pela frente, mas tanto a indústria quanto o varejo precisam correr.
“Se os empresários não conseguirem entender essa mudança rápida e acelerada, impérios econômicos vão ser destruídos. É preciso entrar e se antecipar. Estamos acelerando partículas através das tecnologias 4G, 5G, 6G. Acredito que, em menos de 10 anos, o metaverso estará popularizado no Brasil”, diz Dani Lui, professora especializada em desenvolvimento humano e do curso de pós-graduação Mundo 4.0 da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.
“Se os empresários não conseguirem entender essa mudança acelerada, impérios econômicos vão ser destruídos.”
“Enquanto não chegamos ao mundo ideal, é fato que a indústria e o varejo devem começar a criar a sensação de experiência, e o caminho mais interessante, dentro do que é possível atualmente, é uma mistura de jogos com ambientes em 3D. Não é o ideal, mas é o início”, observa Rafael.
Devices e gadgets
“Não há acordo de que é preciso dispositivos com VR (realidade virtual), que são os óculos fechados, ou AR (realidade aumentada), como um celular com sensores, para chegar ao metaverso, mas eles praticamente andam de mãos dadas. E aí está a grande oportunidade para fabricantes e varejistas”, afirma Maurício Morgado, coordenador do Centro Excelência em Varejo da FGV e sócio da Lumina.
Com mais de 25 anos dedicados à tecnologia, Rafael comenta: “Os grandes óculos de hoje são um elemento burocrático, via de regra é uma experiência solitária, e metaverso não é isso. Num primeiro momento, serão experiências visuais. Em outra etapa, vêm os dispositivos hápticos, que, em síntese, são tecnologias de sensação, como luvas, coletes, esteiras e capacetes. Tudo é muito caro, mais pesado, já passei por uma experiência de operação.”
“O metaverso aporta valioso grau de conectividade para interações sociais ou até mesmo em ambiente de trabalho.”
Somente devices ou gadgets darão acesso para que a pessoa viva experiências sensoriais imersivas reais para valer no universo paralelo. Benjamin, especialista em cultura de consumo da FGV, antecipa: “Esses acessórios serão objetos de desejo, assim como muitos aficionados ficam esperando os lançamentos de smartphones.”
“Quando os devices e gadgets ficarem baratos, os brasileiros deixarão de comer para ter essas ferramentas, como um celular de última geração, e um plano de dados 5G”, diz Dani. “Não há dúvida de que serão criados devices mais simples e incorporados ao corpo humano, com as pessoas literalmente chipadas. Talvez algumas não irão mais desligar. Se hoje já existem formas de elas se absterem da realidade, imagine quando puderem entrar em mundos paralelos, ser quem quiserem e navegar por onde desejarem”, acrescenta. Para ela, em pouco tempo, haverá três tipos de seres: pouquíssimos humanos; maioria de meta-humanos; e metanóides, pessoas que não conseguirão mais sair do metaverso.
Impacto na cadeia produtiva
“As indústrias já podem se preparar para criar equipamentos que permitam interação com esse meio, a tal da interoperabilidade. Se, para o varejo, virou um canal, a indústria tem que gerar conteúdo para o lojista. Tudo que for bites e bytes, fica super bem no metaverso. Quando chega o átomo, a matéria, o produto físico como um alimento, a gente começa a fazer um paralelo para comparar com o que a internet fez no período de 1995 a 2000 na distribuição e no varejo como um todo”, avalia Maurício, da FGV.
Para o especialista em negócios e transformação digital da ESPM, Fernando Moulin, as vantagens da inclusão do metaverso nas linhas de produção são eficiência, alto nível de automação, redução de custos e simulações em ambiente virtual. “A indústria vai começar a trabalhar com gêmeos digitais – solução que usa dados para simular testes antes de qualquer peça ser fabricada. O tempo de produção diminui, e o produto pode ser lançado com mais rapidez. A China está muito avançada nisso, e com o metaverso o processo será infinitamente mais ágil.”
“A gente vai viver essa tecnologia de maneira muito intensa, mas ela tem que ser democrática para ganhar escala.”
Os ganhos poderão ser ainda maiores no médio prazo. “Num segundo momento, vejo a possibilidade de lucro com receita incremental. Se você tem interação direta com o consumidor, se sabe da boca dele hábitos e preferências, poderá desenvolver produtos num ambiente digital com custo muito menor e testá-los com ele antes de lançar. Assim, irão à venda na versão final. Tudo pode gerar novas modalidades de negócios e experiências engajadoras, dando à indústria canais diretos que não existem hoje”, explica Fernando.
Para Dani, a entrada paulatina do metaverso poderá afetar as cadeias produtivas de tal forma que não será mais preciso ter uma pessoa produzindo na China, por exemplo. “Em algum tempo, cogita-se a quebra de toda a cadeia logística porque eu não preciso mais ter os meus tênis ou um ventilador produzidos fora. Uma pessoa que tem a impressora 3D faz o produto que eu quero aqui. Os moldes estão na rede. Quem é dono de grandes parques precisa entender que o mundo está se transformando”, diz.
Jornada de compra
“O metaverso é mais um braço do omnichannel ao recriar a experiência física no ambiente digital, pois interliga diferentes ferramentas, aprimorando a experiência do usuário.” Por meio dele, o consumidor poderá visitar a loja virtual de determinada marca e comprar produtos para o seu avatar e para uso próprio. A versão offline vai para a casa do cliente a partir da loja física mais próxima. Será uma nova forma de consumir e de se relacionar, destaca Kelly. “O varejo físico não irá acabar, afirma Fernando. “A mentalidade de que um acaba com o outro não faz sentido na cabeça do consumidor. O empresário precisa entender que o cliente quer um e outro.”
“A indústria vai começar a trabalhar com gêmeos digitais antes de qualquer peça ser fabricada.”
Pensar no assunto, melhorar a jornada do cliente e tornar sua experiência de compra no metaverso uma coisa só, derrubando barreiras, é necessário ao varejo, diz Maurício. “Vejo o metaverso como marketing ou negócio para os comerciantes. No universo paralelo, os avatares poderão ter em suas casas televisores e geladeiras; as marcas poderão explorar os espaços e, através de aplicações, seduzir o cliente. Quando se fala de produtos informacionais, imagino um impacto muito grande no metaverso. É mais um canal para facilitar a compra, uma alternativa de mídia.”
As operações realizadas no metaverso são transacionadas em criptomoedas, e a pessoa poderá usá-las para comprar produtos físicos de lojas online, por exemplo. “Assim como o comércio eletrônico não acabará com o metaverso, este não liquidará as demais modalidades de comercialização (varejo físico e comércio eletrônico), tampouco será o fim de outros meios de pagamentos, como os cartões de crédito. O metaverso será uma nova forma de se relacionar e comprar, cujo pagamento se dará por meio das criptomoedas”, resume Kelly.
Segurança digital
Especialista em cyberdefense e diretor-executivo da IT by Insight, que atua na área de tecnologia da informação, Álvaro Massad Martins vê com preocupação o metaverso devido às suas características. “Seguramente, o nível de defesa é muito menor em um primeiro momento. Fica muito fácil invadir o mundo paralelo, é mais uma porta de entrada que pode gerar problemas.” Kelly lembra que a inteligência artificial (IA) não é regulamentada no País, “o que pode causar conflitos”.
Uma pergunta é importante: como o direito digital será aplicado ao metaverso? “É difícil responder e delimitar com precisão, porque não sabemos como de fato isso vai funcionar. O que se pode adiantar é que a LGPD, criada para abarcar novas tecnologias, seria aplicada nesse novo ambiente, mas falta saber como a tecnologia será estruturada”, diz Pedro.
“Fica muito fácil invadir o mundo paralelo, é mais uma porta de entrada que pode gerar problemas.”
Mais uma questão: como será o futuro? É impossível antecipar. A resposta virá com o tempo, mas é fato que parte dos objetos não precisará mais existir fisicamente. Outros mercados poderão surgir como o de produtos que funcionem no meio digital para os avatares. Por outro lado, há casos insubstituíveis no mundo real, mas será possível agregar experiências a esses produtos físicos.
Fonte: Revista Eletrolar News #147