Luiza Helena Trajano: “Indústria e varejo precisam aproximar as estratégias para diminuir custos e vender mais.”
Por Carlos Clur e Leda Cavalcanti
“Não sou presidente, sou vendedora.” É assim que Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, rede que faturou R$ 56 bilhões em 2021, se define nesta entrevista exclusiva para Eletrolar News. Com o objetivo de resgatar o papel da venda, ela continua com intensa atividade, agora na Caravana Magalu, em que incentiva micro e pequenos varejistas de todo o País a venderem pela internet, mostrando- lhes que a empresa tem todas as ferramentas necessárias para que eles atuem no comércio eletrônico.
Eleita pela indústria a figura mais relevante do varejo nacional na pesquisa anual realizada por esta revista para o evento Presidentes, marcado para este mês de julho, Luiza também preside o Grupo Mulheres do Brasil e é uma das pessoas mais influentes do País. Aqui, ela fala sobre o quadro atual do varejo, do desafio de vender com rentabilidade, da necessidade de indústria e varejo trabalharem mais unidos e de seu sentimento de que o segundo semestre será melhor em vendas. “Temos que estar preparados”, afirma.
“Quase todas as nossas lojas funcionam com energia solar. também trabalhamos muito com o retorno de produtos e, na redução de gás carbônico, batemos todas as nossas metas.”
Como a senhora define este momento do Magazine Luiza?
Luiza Helena Trajano – O Magazine Luiza é uma das poucas empresas que nasceram fisicamente, já tinha uma história de mais de 50 anos e conseguiu manter a loja física e ser uma referência no mundo digital. Esse foi um dos fatores muito importantes para a empresa. Hoje, vendemos tudo através de nossos parceiros, e não só eletrodomésticos e móveis. Disponibilizamos 26 milhões de itens e estamos trabalhando muito pelo marketplace. Compramos 17 empresas para dar suporte ao esquema. Somos uma rede multi-canal que se modernizou, mas manteve a sua tradição em cultura e valores, e está em constante mudança.
Qual será a próxima mudança da rede?
LHT – Ter lojas do futuro, onde os sellers vão expor seus produtos. Estamos sempre buscando a inovação, é um espírito que temos desde o início da empresa. Em maio último, começamos pelo Nordeste uma feira digital, e a primeira parada foi em Maceió (AL). O objetivo é termos contato olho no olho com os micros e pequenos empresários locais, mostrando que todos podem aproveitar as oportunidades do e-commerce. Temos o apoio do Sebrae, em que sou voluntária desde 1987. Estou presente no evento e sou a garota propaganda dele.
Assim, exerce a vocação de vendedora?
LHT – Não sou presidente, sou vendedora. As pessoas se envolvem tanto com a operação e com a burocracia que acabam esquecendo a venda. Justo a venda, que é o combustível de qualquer negócio.
Qual sua análise sobre a loja física?
LHT – Sempre acreditamos na loja física e estávamos certos. Tanto que os grandes concorrentes nossos, que começaram no digital, compraram lojas físicas.
O papel dela mudou?
LHT – A loja física é importante, ela mudou de papel, passou a ser um pequeno centro de distribuição. Quando a empresa tem uma unidade física, cresce até a confiança no digital, pois ela é um apoio, ajuda a alavancar as vendas da loja virtual. São experiências complementares. Hoje, temos pequenos centros de distribuição em nossas 1.500 lojas localizadas em 21 estados brasileiros. A pessoa compra na internet e pode retirar o produto na loja no prazo de duas a três horas, sem frete. O digital é uma realidade, não é um aplicativo ou um site, mas sim uma cultura.
Entrar na bolsa de valores acelerou a inovação da rede?
LHT – A bolsa ajudou, trouxe várias coisas positivas, o capital de giro, que é sempre bem-vindo, e governança corporativa. Mas esse espírito de inovação sempre foi muito grande na empresa. Desde o começo somos criativos, muito “fora da caixa”. É uma característica nossa muito forte.
De que forma a empresa atua na questão da sustentabilidade?
LHT – Temos preocupação com os fornecedores e todos os dias revemos o que podemos fazer pela sustentabilidade. Quase todas as nossas lojas funcionam com energia solar. Também trabalhamos muito com o retorno de produtos e, na redução de gás carbônico, batemos todas as nossas metas. Temos que ser muito responsáveis nesse ponto.
“Disponibilizamos 26 milhões de itens e estamos trabalhando muito pelo marketplace.”
Como a senhora avalia o varejo brasileiro?
LHT – Ele cresceu, mas precisa trabalhar muito mais junto da indústria. O varejo é também uma indústria de manufatura. Um não vive sem o outro, mas sinto que ainda há um vazio entre ambos. O ganha-ganha, neste momento, seria importantíssimo para todos. Varejo e indústria precisam ficar mais juntos e aproximar as estratégias para diminuir custos e vender mais.
E o maior avanço que obteve?
LHT – A digitalização, sem dúvida. Antes da pandemia resolvi fazer 10 programas no Instagram para mostrar por que a internet era necessária. Achava que não seria fácil, mas, depois que tive contato com diversos níveis de profissionais, posso dizer que o Brasil está pronto para se digitalizar muito mais que há dois anos.
Como a senhora vê este segundo semestre?
LHT – Está difícil prever alguma coisa, mas acredito que a partir de agosto vai melhorar muito. É ano eleitoral, vai pegar fogo em agosto, setembro e outubro. Antigamente parava tudo por causa da política, mas hoje vejo que o povo está separando uma coisa da outra. Há problemas, como a inflação, que também atinge outros países, os juros altos e o desemprego. Isso tudo atrasa o consumo. Mas também é ano de Copa do Mundo, somos patrocinadores. Com a indústria e o varejo trabalhando juntos, o último trimestre será melhor. Temos que estar preparados.
Qual é o maior desafio do nosso varejo?
LHT – Conseguir cumprir os seus objetivos, isto é, efetuar vendas com rentabilidade.
Como atrair o consumidor em tempo de dinheiro mais curto?
LHT – Costumo dizer que o bolo diminuiu. Então, temos que buscar a fatia maior, e, para isso, é preciso criatividade, atendimento, preço justo, mas também rentabilidade e o produto certo na hora certa.
A indústria e os importadores estão abastecidos? Como está a Concorrência de preços?
LHT – O preço está subindo, a inflação está aí, há o desemprego. Precisamos estar unidos para não deixar que os juros subam para conter a inflação. O quadro está difícil, mas, como disse, em agosto a situação estará melhor do que hoje. Não tivemos problemas de abastecimento, espero que continue assim. Indústria e varejo são criativos. Vamos valorizar nossas conquistas. Gostaria que as pessoas acreditassem no último trimestre.
Como a senhora enxerga o Magazine Luiza daqui a alguns anos?
LHT – Nos últimos três anos, tivemos um crescimento estrondoso. Nunca imaginei que chegaríamos ao faturamento de R$ 56 bilhões, como o registrado em 2021. Estamos atentos a ele. Daqui a alguns anos, estaremos modernos, atuantes e com lojas físicas e digitais. O que mais desejo é não perder nossos valores e cultura.
Com esse título, a biografia da presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, escrita por Pedro Bial e lançada em junho deste ano, é um mergulho na história de uma das mulheres mais importantes do Brasil. O livro começa com o subtítulo “De liquidificadores a tijolos”.
Escreve Bial: “Ela nunca vendeu um liquidificador só”. Como assim, Bial? – pode bem estranhar o caro freguês leitor. Como a maior vendedora da paróquia, líder da maior varejista da história do Brasil, nunca vendeu um liquidificador? “[…] ela nunca vendeu um só, vendeu milhões e milhões de liquidifica- dores, geladeiras, eletrodomésticos em geral”.
Luiza Helena Trajano, 70 anos, conta, no livro, a sua trajetória de vida, pessoal e profissional. Narra a sua jornada por meio de depoimentos, relatos, diálogos, pequenos glossários, fotos e registros pessoais. Veja alguns trechos:
“O futuro pra ela é agora”, Bial descreve, quando lhe perguntou qual deveria ser a primeira frase do livro, e ela respondeu citando seu mote de coração: ‘É pra já’. “Vender o que não tem preço é o que Luiza sabe fazer, sempre soube”. A história da família de Luiza Helena é contada de forma leve e retrata como começou o empreendedorismo, o tino para as vendas e o Magazine Luiza, desde a criação do nome, através de um concurso em novembro de 1957, até hoje.
“Talvez por ter desbravado um ambiente de negócios em que a virtude da intuição era descartada como ca- racterística ‘feminina’ – tantas vezes a única pessoa sem gravata à mesa de reuniões na hegemonia masculina do universo dos executivos varejistas –, ela sabia não usar a palavra intuição. Deu seu jeito, um jeito feminino de administrar, unindo racional a emocional, encontrando caminhos e atalhos por onde circular – e decidir.”
Luiza Helena conta no livro: “Eu sou inacabada, estou sempre me renovando. Sempre tive um espírito de gestora. Só que faço uma administração caórdica, primeiro ponho em prática, para depois ir consertando o que vou fazendo.” Caórdico é o método que Luiza determinou da combinação de caos e ordem. Ou melhor, como ela prefere dizer, é a inversão do lema da bandeira. Primeiro, o progresso, andar pra frente, pôr em movimento. Depois ordenar, em organização dinâmica, sem parar.
“Agora é uma questão de aproveitar as oportunidades e os momentos. Eu quero que nossa empresa seja um exemplo de empresa que ganha dinheiro e desenvolve as pessoas. Esse é meu objetivo de vida, mostrar que uma empresa capitalista pode fazer as pessoas felizes e desenvolver as pessoas para que elas acreditem nelas.”
“Minha mãe é multidão e mistura. Ela é uma máquina de perguntas. Ela nunca falava ‘não pode’. Ou, quando queria falar ‘não pode’, mandava um ‘fala com seu pai’. Minha mãe sempre foi diferente do padrão, pra tudo. Sempre foi a mãe diferente, mas muito presente”, diz a mais nova, Luciana, com a clareza de quem chegou por último e se beneficiou de um certo relaxamento nas rédeas parentais.”
“Se tentarmos sintetizar a filosofia de educação da mãe Luiza Helena, podemos afirmar que tinha dois objetivos principais: ensinar aos filhos que tudo está interligado e que seria melhor que cedo entendessem que a vida não devolve apenas o que se espera dela. Em outras palavras: que soubessem as consequências de seus atos e lidar com as frustrações.”
“Meu pai sempre a admirou muito. A minha mãe (Luiza Helena), por outro lado, respeitava muito o lado masculino dele. Mesmo quando ela discordava, achava importante que algumas opiniões dele sobre assuntos da família prevalecessem.” Erasmo tocava seu posto de gasolina, Luiza crescia com o Magazine. Contavam com a ajuda da família e de empregados para que não faltasse atenção aos filhos.
“O melhor da minha família são os valores que nós temos, o nosso compromisso com a sociedade, de fazer desse mundo um mundo melhor – o nosso compromisso com os laços familiares e dos nossos amigos”, diz Ana Luiza, filha do meio de Luiza Helena.
“Para manter o difícil equilíbrio (que mantém) entre estar sempre ocupada e ainda assim estar sempre acessível, Luiza Helena se vale de alguns códigos com seus colaboradores. Com a turma da segurança do Magazine, ficou combinado que, para avisos importantes, envias- sem mensagens, ela não fica muito tempo sem verificá-las. Ligar direto, só se a situação for muito grave.”
Fonte: Eletrolar News Ed. #149