Lideranças femininas: Trajetórias Exemplares
Histórias de mulheres no mundo corporativo.
A liderança feminina avança nas empresas em todo o mundo e ganha visibilidade, o que é um bom sinal. Mostra que as empresas estão implementando práticas e condutas com a meta de estabelecer a igualdade de gênero, atendendo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU). A meta é que até 2025 haja 30% de mulheres em cargos de liderança e, até 2030, que elas sejam 50%.
por Dilnara Titara e Leda Cavalcanti
Empresas cujas estratégias visam à igualdade contribuem para o desenvolvimento social, e já se nota que o caminho é sem volta, embora seja longo. As mulheres recebem, em média, 20,5% menos que os homens, mostra um estudo de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outro estudo, do Instituto Ipsos, revela que 27% dos brasileiros se sentem desconfortáveis em ter uma mulher na chefia.
São obstáculos a serem superados à medida que o Brasil avance mais nas áreas de educação, formação, informação e políticas públicas, levando à criação de um ambiente mais propício para o desenvolvimento de lideranças independentemente de gênero. Mulheres em cargos de chefia abordam, nesta matéria, suas trajetórias, condutas, inspiração, capacidades, conquistas e desafios no universo corporativo.
PATRÍCIA PESSOA – WHIRLPOOL
Iniciou a carreira em tecnologia. Foi para CRM e transformação digital na indústria automotiva, onde atuou por mais de 10 anos. Liderou um projeto de Inteligência Artificial numa grande empresa de tecnologia e o marketing de uma empresa asiática. Em 2021, Patrícia Pessoa entrou na Whirlpool e, desde então, é diretora de marketing e inovação e contribui para o desenvolvimento do portfólio das marcas.
Os desafios de gênero são inegáveis, diz Patrícia. “A sociedade está se transformando, e, cada vez mais, as mulheres se empoderam e buscam sua realização. Hoje, ocupam 38% dos cargos de liderança no Brasil, um crescimento significativo comparado a 2019, quando a proporção era de 25%.” A Whirlpool caminha para maior equidade por meio da política de contratação de líderes, com a presença de 50% de mulheres e 50% de homens nos processos seletivos.
Patrícia já sofreu discriminação, mas não a reconheceu na época. “Mais importante que o ato em si é como reagir a qualquer evento que tenha como objetivo gerar constrangimento ou discriminação pelo fato de ser uma mulher liderando. Enxergo as possibilidades e oportunidades em grande espectro, com humor e acolhimento, busco qualificação e agilidade na tomada de decisões. Cada ser é único, e as mulheres fazem parte dessa diversidade. Somos multifacetadas e com habilidades riquíssimas para liderança”, afirma.
Para a Whirlpool, a diversidade dos colaboradores é fundamental e reflete a variedade da sua base de consumidores, diz a executiva. “Tenho o privilégio de liderar outras mulheres no time e de inspirá-las com a minha trajetória. O Instituto Consulado da Mulher, ação social da marca Consul, ajuda a melhorar a qualidade de vida das pessoas, investindo no empreendedorismo feminino. Em 21 anos, estivemos presentes na vida de mais de 38 mil pessoas beneficiadas em 2.202 projetos apoiados em todo o Brasil.”
Para Patrícia, é inspirador ver a presença feminina em posições de liderança. “Quanto mais representatividade nestas posições, maior a motivação para outras mulheres que desejam estar à frente de grandes equipes e empresas. E para que esse cenário seja mais promissor, é preciso frear a perpetuação de estereótipos de gênero e aumentar as oportunidades e referências femininas para que as jovens profissionais não desistam por acharem que determinada indústria ou setor não seja para elas.”
O sucesso de um líder é resultado da paixão pelo que faz todos os dias, assim como a dedicação e o cuidado com a equipe e os processos, diz a diretora. “Ter valores individuais claros e que casam com os da companhia é um caminho sólido para a construção da carreira. E a integridade é a chave para ter sucesso nos desafios diários.”
TARCIANA MEDEIROS – BANCO DO BRASIl
Paraibana, 44 anos, mãe, Tarciana Medeiros foi feirante e professora antes de iniciar carreira no Banco do Brasil, em março de 2000. Desde janeiro deste ano, é a CEO do BB. Bacharel em administração de empresas, pós-graduada em administração, negócios, marketing, liderança e inovação, tem MBA em BI e analytics, e formação para atuação em cargos de alta gestão executiva. Exerceu diversas funções no BB pelo País.
“O avanço feminino nas lideranças do mundo corporativo tem evoluído, mas o protagonismo está longe de ser uma realidade na maioria das organizações brasileiras. Sempre digo que um aspecto relevante da liderança feminina é ter alguém que coloque em pauta nomes de mulheres que puxem outras. Assim que fui nomeada, trouxe na composição do conselho diretor as mulheres que estavam habilitadas para as funções. Pela primeira vez na história do BB, temos três vice-presidentas e novas diretoras. A mulher tem um olhar detalhista, cuidadoso”, diz Tarciana.
Aspectos de diversidade são valorizados não só pelo consumidor, conta. “O público de investidores observa aspectos ASG nas empresas. Como exemplo disso, tenho muito orgulho de ver que nossas ações já são reconhecidas pelo mercado, ainda que os desafios sejam os de superar barreiras. Entre as empresas de capital aberto no País, o Banco do Brasil é uma das que possuem mais presença feminina em postos de liderança.”
No conselho de administração do BB, metade das vagas é ocupada por mulheres. No conselho diretor, são 45% ante 11% em 2022. Na diretoria executiva como um todo, as mulheres representam 21% dos cargos, acima dos 13% de 2022. “A velocidade das mudanças nesses meses de gestão traz para nós, mulheres negras, a convicção de que esse movimento de maior participação em níveis decisórios veio para ficar de forma definitiva”, diz Tarciana.
O BB foi selecionado para compor o Índice de Diversidade da B3, que inclui 79 ativos de 75 empresas, de 10 setores econômicos. É a empresa com maior peso na carteira. O iDiversa é o primeiro índice latino-americano a combinar, em um único indicador, critérios de gênero e raça, e reconhece as companhias listadas que se destacam em diversidade e promovem maior representatividade desses grupos no mercado.
A definição do que é ser bem-sucedida é uma métrica muito especial, de cada um, diz Tarciana. “Minha gestão está sendo pautada pela transparência, pelo diálogo aberto, franco e propositivo. Eu não sou apenas a representante do meu time. Sou o seu espelho. Valorizo o que cada um tem de melhor. Não faço nada sozinha, engajo pessoas alinhadas com o mesmo propósito. Saber que posso fazer a diferença positiva na vida das pessoas me motiva e é um dos pontos do que significa ser bem-sucedida, por exemplo.”
PAOLA CAMPANARI – CASA INTELIGENTE VIVO
Começou sua jornada com empreendedorismo ainda na faculdade e estagiou em empresas de comunicação. Demonstrou eletroeletrônicos em lojas populares, onde ampliou sua visão das jornadas de compra, recusas e formas de comunicação. Trabalhou em empresas, como Whirlpool, Fast Shop, Samsung, Lexmar e Cyrela, e entrou na Vivo há quatro anos, na área B2B. Hoje, Paola Campanari é a diretora de negócios da Casa Inteligente da empresa.
Enfrentou obstáculos em sua jornada. “Alguns desafios que observamos em temas mais abordados em grupos de mulheres na liderança dos quais participo, hoje, são bem mais suaves em determinadas áreas. Mas, no caso de lideranças de negócios ou áreas mais técnicas, algumas questões devem ser amplamente discutidas, como ter autoconfiança, saber ouvir e abrir espaço para ser ouvida em arenas com muitos homens sem perder a feminilidade”, conta Paola.
“Algumas vezes, ao longo da carreira, por ser a única mulher em discussões e projetos estratégicos, tive que aprender a confiar na minha visão e achar espaço para me expressar e ser ouvida com atenção. Isso reforçou em mim habilidades como empatia e resiliência, que considero fundamentais para uma liderança que abraça transformações e diversidade. Observo que as mulheres possuem características importantes de visão holística e ampla, facilidade para buscar e aceitar mentoria, feedbacks construtivos, terapias e outras ações que fortalecem o equilíbrio de um líder e suas equipes para resultados mais sustentáveis”, diz.
Empresas com diversidade em seu quadro profissional são mais bem avaliadas, conta. “A humanidade é plural, o talento está em todo lugar. E a Vivo enxergou isso há alguns anos, com um ambiente mais aberto e diverso, onde as pessoas se sentem seguras para se expressar de maneira genuína. Desde 2018, tem um programa cujo manifesto prega menos preconceito. O Vivo Diversidade é pautado nos pilares de gênero, LGBTI+, raça e pessoas com deficiência. Vale dizer que o compromisso da Vivo é com ESG como um todo.”
Paola acredita que o sucesso está ligado à evolução pessoal. “Um líder bem-sucedido deve desenvolver mais do que formação e quilometragem em experiência técnica. Tem que desenvolver uma gama de habilidades para o novo modelo de trabalho que as gerações híbridas e digitais valorizam e desejam, como flexibilidade, resiliência, negociação de conflitos, construção de equipes diversas, escuta ativa, feedbacks 360°, agenda de debates e inovação colaborativa, espaço para criatividade e sugestões, mentoria de pessoas para alinhamento de carreira, e ser exemplo na busca de equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.”
KARIN FISCHER – FISCHER
É formada em administração, pós-graduada em negócios internacionais e com cursos de liderança e gestão nas fundações Dom Cabral e Getulio Vargas. Karin entrou na Fischer há mais de 20 anos, como auxiliar de escritório. Fascinada pelo mercado dinâmico e o desenvolvimento de produtos, gerenciou o marketing num período de transformações, com o projeto de trade marketing e o lançamento do e-commerce. Contribuiu com a área de importação, principalmente no desenvolvimento de produtos para a linha Built-in. Desde 2017, é diretora comercial e de marketing.
Para enfrentar os desafios, sempre teve o apoio da família. “O mercado é dinâmico e desafiador, a liderança feminina exige que estejamos preparadas e organizadas para gerenciar todas as atividades. Em termos de discriminação, uma única palavra transpõe este assunto: resultados. A entrega desses e de projetos de sucesso é o principal filtro que importa.”
Hoje, 47% do quadro de trabalhadores da Fischer é ocupado por mulheres. “Homens e mulheres possuem características singulares para as funções que desempenham. As mulheres se destacam pelo cuidado e zelo aplicado, sensibilidade, empatia e comunicação. Saber extrair o melhor de cada um da equipe é qualidade de uma líder para fazer uma companhia se diferenciar”, diz.
Diversidade em uma empresa é importante, explica Karin. “Conversamos com um país plural, de regiões etnicamente bem diferentes. A Fischer sempre teve um olhar humano para gerar oportunidades. É natural da nossa essência, porque os atributos que esperamos da equipe estão diretamente ligados às suas competências, ética e resultados. Nossos diálogos, inclusive, ficam muito mais ricos com essa pluralidade no time para transmitir e impactar o consumidor.”
Para expandir a atuação feminina em cargos de liderança, a empresa aloca cada uma na posição em que possa exercer plenamente suas capacidades, diz. “Nosso desafio é proporcionar um ambiente favorável à inovação e à comunicação para que as mulheres conquistem seus espaços. Temos programas internos, com olhar para a família, saúde e educação. Construímos a creche CEI Bisa Olga Fischer, um de nossos projetos mais importantes, onde oferecemos vagas aos filhos de colaboradores e à comunidade. Acreditamos que temos o poder de trazer soluções para fazer uma gestão humanizada, especialmente para a mulher que deseja aliar a carreira com a maternidade, aproveitando o melhor dos dois mundos.”
Uma líder bem-sucedida tem que saber ouvir, aprender sempre e buscar autoconhecimento. “Dessa forma, descobrimos quais são as nossas fortalezas e propósitos de vida. Só assim nos tornamos profissionais e seres humanos melhores para a sociedade em que estamos inseridos”, afirma a executiva.
SOCORRO CANTON – BEMOL S/A
Desde os 17 anos, Socorro Canton trabalha na mesma empresa. Aos 60 anos de idade, acumula 43 de trabalho na Bemol S/A. “Comecei como secretária, e minha carreira aconteceu junto com o crescimento da empresa. À medida que ela foi se expandindo, galguei outros cargos. Passei pela gerência de marketing, gerência e supervisão de loja e superintendência até chegar a diretora operacional, responsável pelas lojas físicas, negócio farma, logística e área de expansão”, conta.
“As minorias sempre têm uns degraus a mais, faltam referências, e as comparações nem sempre são tão justas, mas no meu caso específico tive a sorte de trabalhar em uma empresa em que a presença feminina na liderança é muito forte. Temos mulheres presentes em todos os principais cargos como diretoria, conselho e outros. Infelizmente, essa não é uma realidade na maioria das empresas”, diz Socorro.
Em sua trajetória, sentiu a discriminação, que, na maioria das vezes, vem dos próprios subordinados, mas pode ocorrer também fora da empresa. “Ainda é muito comum, em qualquer fórum do varejo, uma presença muito pequena de mulheres”, conta.
“A liderança feminina se destaca, na minha opinião, por conseguir fazer várias coisas ao mesmo tempo, ter muita energia, administrar com menos recursos e gerenciar bem as crises. Acho que é uma herança da vida doméstica. As empresas com maior diversidade são mais criativas, as pessoas são mais felizes, se importam mais com os outros e, consequentemente, estão mais bem preparadas para atender melhor”, diz a diretora.
No entanto, há toda uma conjuntura cultural, social e econômica que ainda não enxerga todo o potencial da mulher e não cria as oportunidades necessárias para seu crescimento e acolhimento, destaca Socorro. “Para ser uma líder bem-sucedida, a mulher tem que acreditar no seu potencial, ter metas claras, estar sempre atualizada e trabalhar muito.”
MARTA SCHULZ – BLACK+DECKER
Começou a carreira como estagiária e teve seu primeiro cargo de liderança aos 26 anos. Atuou sempre na área de marketing, desde gerência de produtos até branding, trade marketing, pesquisa, e em várias empresas e culturas diferentes, como japonesa, alemã, francesa, holandesa, chinesa e americana. “Foi uma jornada de muito aprendizado e crescimento pessoal e profissional”, diz Marta Schulz.
A executiva discorda dos que dizem que o segmento de eletros, especialmente o de eletroportáteis, seja predominantemente masculino. “Na minha trajetória, sempre trabalhei com muitas mulheres, pares, líderes e subordinadas, e mesmo onde havia predominância de homens na liderança, nunca me senti discriminada por ser mulher. Acredito que a chave, aqui, é agir com clareza e objetividade nas propostas, com postura firme, sem abrir mão de uma visão mais feminina”, conta Marta.
Nem sempre, a liderança feminina é mais flexível. “Conheci líderes mulheres muito mais rígidas que homens, talvez adotassem essa postura como uma forma de se impor e/ou se proteger. Percebo que a mulher tem um lado muito criativo, que foi desenvolvido pela cobrança da sociedade.Precisamos ser boas profissionais, mães, donas de casa, amantes, esposas/namoradas… A cobrança sobre as mulheres é muito mais intensa, e isso, provavelmente, nos fez desenvolver melhor um “se vira nos 30” para dar conta de tudo. Nesse cenário, a presença de mulheres na liderança, junto com homens, traz uma diversidade de pensamentos e uma possibilidade de encontrarem, juntos, soluções melhores”, diz.
Em sua opinião, a diversidade no quadro profissional das empresas é um processo em desenvolvimento. “As pessoas ainda estão amadurecendo esse entendimento, mas já percebemos que as mais bem instruídas tendem a avaliar melhor as empresas que, de fato, atuam com diversidade em seu quadro profissional. A evolução do mercado é um dos fatores que irão colaborar para expandir essa atuação. O desafio está em acreditar que podemos assumir esses cargos de liderança e trabalhar para isso independentemente das barreiras e aprendendo com elas.”
Para Marta, é importante, no caso de liderança, estar em constante aprendizado. “Não digo só tecnicamente, mas pessoalmente. Você tem que aprender a se conhecer, a entender o próximo e as diferenças de estilos e perfis para conseguir liderar e ser bem-sucedida.” Na Stanley Black & Decker, no Brasil, 46% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.
Fonte: Revista Eletrolar News – Edição #157