Lideranças femininas: As mulheres avançam
O número de mulheres em altos cargos cresce a cada ano, mas ainda de modo lento. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que há 39,3% de mulheres em cargos de liderança, o que coloca o Brasil atrás de países como Espanha e França. O crescimento em relação a 2023 foi de 1,1%, conforme o estudo Women in Business: Pathways to Parity, conduzido pela Grant Thornton, empresa global de consultoria, auditoria e tributos.
por Dilnara Titara e Leda Cavalcanti
As razões para tal cenário são muitas e incluem desde os parâmetros que a sociedade impôs para o papel das mulheres como responsáveis pelos cuidados da casa até o preconceito. Mas eles vão se quebrando à medida que as pessoas e as corporações evoluem. O que mais importa, hoje, é a competência e não a disputa. Nesta matéria, lideranças femininas colocam seus pontos de vista e abordam aspectos, desafios e vitórias de suas carreiras.
ÂNGELA SAKUMA
Brasileira com ascendência japonesa, Ângela Sakuma é formada em comunicação pela Faculdade Cásper Libero e pela Columbia College Chicago, nos Estados Unidos. É casada e mãe de um casal de filhos. “Nas horas de lazer, gosto de praticar esporte e andar de bicicleta com minha família”, conta. Por mais de 20 anos, atuou no departamento de comunicação e relações públicas de grandes companhias globais. Na LG Electronics do Brasil, onde está há mais de 14 anos, atualmente é gerente sênior de comunicação corporativa e relações públicas, estando à frente da comunicação integrada.
A trajetória até a liderança é consideravelmente mais árdua para as mulheres do que para os homens, afirma. “É necessário que as mulheres se imponham mais, mesmo possuindo a mesma capacidade que seus colegas, e isso é uma questão que perpassa diferentes culturas, países e organizações. Felizmente esse cenário vem mudando, e as mulheres estão conquistando maior espaço.”
Na sua opinião, as mulheres conseguem ter visão mais empática e detalhada sem deixar de lado uma perspectiva ampla dos objetivos estabelecidos e a exigência pela qualidade nos resultados. “Em minha trajetória como líder, não enfrentei discriminação, mas, profissionalmente, todos nós, principalmente mulheres, minorias e quem foge do padrão, presenciamos e vivenciamos situações em que a nossa capacidade foi posta à prova pelos colegas. No entanto, com maturidade e diálogo, é possível superar e aprender”, ressalta.
Ângela acredita que os principais desafios para ampliar o número de mulheres em cargos de liderança é o incentivo e o empoderamento. As empresas têm um papel fundamental nesse processo, investindo nos talentos internos e promovendo o protagonismo das mulheres. “Na LG, temos um grupo chamado “Mulheres Conectadas”, que se reúne com o objetivo de promover e debater temas relacionados à carreira e à liderança feminina, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e profissional das colaboradoras.”
Empresas com diversidade em seu quadro profissional são, segundo ela, mais bem avaliadas, afinal é impossível uma empresa criar produtos e serviços inovadores para um público diversificado sem que sejam desenvolvidos por colaboradores diferentes. “Cada diferencial conta para se destacar positivamente. Uma liderança de sucesso deve estar baseada em ter a mentalidade em constante aprendizado”, afirma.
ANA KARINA PINTO
A carreira de Anna Karina Pinto, jornalista de formação, levou-a para o marketing. Após especializações e um MBA, migrou para a área em 2003, atuando em empresas de eletroeletrônicos e expandindo sua experiência para o B2B. Há mais de dois anos, ingressou na Samsung Brasil como diretora de marketing corporativo, com o desafio de fortalecer a visão One Samsung.
“O mercado de trabalho, falando exclusivamente do segmento em que atuo, vem passando por uma transição nos últimos anos. As mulheres conquistaram seu lugar em diversos setores, quebraram barreiras, mas ainda há um caminho a percorrer. Liderar como mulher em um segmento predominantemente masculino significa superar obstáculos e inspirar outras. Reforço a importância de acreditar nas próprias capacidades”, diz. Na Samsung, encontrou outras líderes mulheres, mostrando que a empresa está no caminho certo para promover a igualdade.
Para ir mais rápido, vá sozinho. Esse é o ditado, lembra Anna Karina. “Mas, para ir mais longe, vá em time, isso resume a importância do trabalho em equipe para o sucesso do negócio. Acredito que uma das principais características de um líder é reconhecer o valor da colaboração e se dedicar a construir relações sólidas com seus colegas. A liderança não se limita à gestão, à criatividade e ao conhecimento técnico, ela transcende esses limites, abraça a flexibilidade e a capacidade de se conectar com diversos públicos.”
Reconhecer o valor da diversidade e investir na construção de um ambiente de trabalho justo e igualitário para todos é imprescindível. “Promover a igualdade, incentivar a mentoria e o networking, transformar as culturas organizacionais são algumas das medidas necessárias para construir um futuro mais justo e equitativo, no qual as mulheres tenham as mesmas oportunidades de alcançar cargos de liderança e contribuir para o desenvolvimento da sociedade”, afirma.
O consumidor está cada vez mais atento às práticas das empresas. Ele valoriza companhias que refletem a diversidade da sociedade e demonstram compromisso com valores como inclusão, respeito e igualdade, diz. “A Samsung está presente no Brasil há mais de 35 anos e trata a diversidade como um pilar fundamental para seu crescimento e sucesso. Cultiva um ambiente inclusivo, onde o respeito e a transparência são pilares da cultura organizacional.”
CHRISTIANE CRUZ CITRÂNGULO
Formada em administração de empresas, pós-graduada em administração industrial e com MBA focado no varejo, Christiane Cruz Citrângulo trabalhou em grandes empresas, como Unilever e Carrefour. Tem mais de 30 anos de experiência e é uma das coautoras do livro “Mulheres do Varejo”. Hoje, é chief marketing strategy officer (CMSO), responsável por marketing e estratégia na Neogrid.
“Equidade de gênero, presença da mulher no mercado de trabalho e liderança feminina são temas relevantes para mim e bem valorizados pela Neogrid, que anunciou seu compromisso de alcançar 26% de representação feminina em cargos de alta liderança em 2024, 30% em 2025 e 50% até 2030. Hoje, o índice está em 22%. A liderança feminina ainda é minoria. É importante que as mulheres se apoiem e deixem claro suas aspirações”, diz.
Para ela, um dos benefícios de ter mulheres na liderança é a promoção da diversidade na empresa, em todos os níveis. “É uma forma de ter perspectivas e habilidades diferentes adicionadas à gestão. Também ajuda a fomentar outras políticas afirmativas e de inclusão como as relacionadas à diversidade de raças, idades e capacidades físicas. Isso estimula a colaboração, a busca por soluções diferentes e a integração.”
As mulheres enfrentam desafios como o equilíbrio entre maternidade e trabalho, discriminação, assédio e o combate a estereótipos de que são menos capazes que os homens. “A inclusão é uma alavanca essencial para atrair, reter e melhorar a performance de colaboradores e equipes. Hoje, os talentos são o ativo mais importante das empresas, então é uma prioridade dos gestores garantir ambientes saudáveis. Quem vivencia a inclusão em seu ambiente de trabalho se sente mais livre para criar e inovar”, diz.
Entre as características mais marcantes da liderança feminina, estão a empatia, a colaboração, a comunicação eficaz e a resiliência. Mulheres líderes valorizam relações interpessoais fortes e criam ambientes de trabalho inclusivos. “Frequentemente, promovem uma cultura colaborativa, em que a troca de ideias e o trabalho em equipe são incentivados. A atenção ao desenvolvimento e bem-estar dos colaboradores é outra característica forte.”
Na carreira, Christiane foi inspirada por mulheres que acreditaram no seu potencial. “Ser líder é uma combinação de habilidades, atitudes e experiências. Desenvolver a comunicação é essencial, bem como delegar tarefas. Também é preciso buscar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Tirar um tempo para relações pessoais e hobbies é uma prática importante para o bem-estar. Nas horas vagas, eu jogo vôlei e tênis”, conta.
JORNADA BARROS
Há 15 anos, Jordana Barros está no Grupo Saint-Gobain. Começou como trainee e escalou diferentes posições nas áreas de P&D e marketing, até assumir as diretorias de operações e novos negócios na Tekbond, divisão do grupo focada em adesivos. Em novembro de 2022, migrou para a divisão de varejo e, desde então, é diretora de operações gerais da Telhanorte Tumelero.
“O mercado em que estou inserida, o da construção, ainda é notoriamente masculino, mas o vejo como o reflexo dos processos de transição da nossa sociedade. É natural que a mulher comece a ocupar espaços e cargos. Como negócio, o meu papel é ser uma promotora da diversidade, com voz ativa. Em desafios, há pontos para discussão, como a falta de representatividade. Quando há poucas mulheres em posições de liderança, pode ser difícil para outras que aspiram uma carreira vertical encontrar mentoras ou modelos que compreendam as suas experiências e que possam promover o seu avanço”, diz.
Outro desafio é a rotulação de gênero. Estereótipos sobre os papéis de gênero podem levar à percepção de que os homens são mais qualificados para determinadas funções. “O maior risco é esse preconceito implícito se manifestar nos processos de contratação, de promoção e de tomada de decisão, dificultando o avanço das mulheres. Enfrentar os desafios requer um esforço ativo das empresas e da sociedade. É um tripé: dispor de ferramentas e processos que quebram o viés de gênero, trabalhar na conscientização e na capacitação da liderança e ter objetivos muito claros e mensuráveis.”
Na carreira, Jordana contou com gestores ativos na pauta da diversidade, promovendo ambientes abertos e, assim, estimulando toda a equipe a manter a mesma postura. “O líder, independentemente do gênero, precisa reunir características que vão além das habilidades técnicas, como empatia, inteligência emocional, resiliência, autenticidade, colaboração, flexibilidade, adaptabilidade e agilidade, além de ter uma boa dose de coragem e ousadia.”
Paciência e constância na construção de resultados, são atributos de uma líder. destaca. “Qualquer nível que se almeje deve ser consequência de um trabalho bem executado e reconhecido. Ser parte de uma empresa com cultura de diversidade bem estabelecida propicia um desenvolvimento de carreira equalitário, com as mesmas réguas e critérios. Tem, também, de estar sempre preparada para dar o próximo passo, mantendo-se informada, atualizada e capacitada, mostrando-se disponível e adaptável e, sobretudo, atentando-se a uma clara comunicação sobre seus objetivos e aspirações.”
KEDMA VIEIRA
Há mais de 15 anos, Kedma Vieira iniciou sua carreira em marketing e conquistou posições de maior responsabilidade em empresas de vários segmentos, focada em ser um ponto de conexão entre pessoas e resultados. Entrou na Mallory há cinco anos como supervisora de trade nacional, teve três promoções e, atualmente, é gerente de marketing e trade on & off.
Embora o setor seja predominantemente masculino, Kedma viu isso como uma oportunidade para trazer novas perspectivas. “Acredito que a diversidade de pensamento é uma vantagem competitiva”, diz. Um desafio é promover a inclusão e mostrar que todos têm algo valioso a contribuir, independentemente de gênero. Sua trajetória tem sido positiva. “Sempre fui acolhida e respeitada em minhas funções, e os desafios estavam mais relacionados à natureza do trabalho do que ao gênero. Houve momentos difíceis, como em qualquer carreira, mas nunca me senti discriminada por ser mulher.”
Frequentemente, a liderança feminina é marcada pela empatia, comunicação eficaz e capacidade de construir pontes e equipes coesas e motivadas. Mulheres líderes tendem a valorizar a colaboração e a inclusão, criam um ambiente de trabalho onde todos se sentem respeitados. “A resiliência e a flexibilidade também são características importantes das mulheres”, ressalta. Empresas com diversidade em seu quadro tendem a ser mais inovadoras e capazes de entender as necessidades de um mercado diverso. “Na Mallory, vivenciamos diariamente o que chamamos de Árvore de Valores, onde o respeito ao indivíduo e a discriminação zero são fundamentais.”
O principal desafio para ampliar o número de mulheres em cargos de liderança é criar e manter uma cultura corporativa de valorização. Isso inclui a implementação de políticas de igualdade de oportunidades, equidade salarial, programas de mentoria, desenvolvimento de carreira e a promoção de um ambiente de trabalho que equilibre vida profissional e pessoal. “No atual cenário isso se tornou algo fundamental para todos, independentemente do gênero”, observa.
Para ser uma líder bem-sucedida, Kedma acredita que é essencial ter visão clara, ser apaixonada pelo que faz e estar sempre disposta a aprender e a se adaptar. Cultivar rede de apoio e buscar mentorias pode fazer uma grande diferença. Além disso, é preciso desenvolver habilidades de comunicação e ter a capacidade de inspirar e motivar a equipe, mantendo uma atitude positiva e aberta a novas ideias e desafios.
MIRANA MACHADO
Bailarina de formação, Mirana Machado dançou profissionalmente e, aos 21 anos, abandonou a carreira para ir à faculdade. Há duas décadas, atua em marketing. Vivenciou diferentes experiências, com passagem em startup americana de tecnologia Instructure Inc. e no Union Bank of Switzerland (UBS), o maior banco suíço do mundo. Hoje é head de marketing para a América Latina da GfK.
“O maior desafio da liderança feminina é a construção de credibilidade, adicionada a como ela lida com as adversidades do dia a dia. Criar uma imagem de profissional capaz vai além do gênero, mas, sendo mulher, é preciso quebrar o paradigma de que somos frágeis, instáveis e emocionais nas decisões. Há ambientes muito masculinos que criam essa ideia de que mulheres não suportam pressão, o que vai na contramão do que é ser mulher, que acumula inúmeras funções em sua vida e administra com maestria toda essa demanda”, afirma.
A mulher é uma incansável multitarefa, isso lhe dá grande vantagem, diz. “Gosto de olhar e entender tudo ao redor para propor uma estratégia, ou seja, como uma mãe que ao mesmo tempo lava a roupa, dá de comer ao filho, lembra itens para a lista de compras e ainda faz anotações para sua tese de mestrado. A capacidade de penetrar nas diferentes áreas do negócio te permite propor planos muito mais assertivos e criar um ambiente mais colaborativo e sem silos.”
Abertamente, ela não sofreu discriminação, mas a reconhece nas entrelinhas e tem consciência de que, se fosse homem, teria alcançado as posições de liderança mais rápido. “Fazer o que se gosta é fundamental numa carreira”, atesta. “Essa é a grande vantagem competitiva que ninguém vai tirar de você. Sou apaixonada pelo meu trabalho e digo que isso me trouxe até aqui. É isso que te faz querer trabalhar duro, aprender sempre e encontrar novos caminhos.”
O aumento do número de líderes femininas passa por uma discussão mais estrutural, diz Mirana. “É preciso esgotar as conversas sobre o que é papel do homem e o que é papel da mulher na sociedade. Na minha visão, isso não deveria existir. Escuto muitos debates, no âmbito corporativo, alegando que as empresas precisam entender as necessidades das mulheres e suas outras funções para que possam desempenhar todos os papéis (que a sociedade designou) e serem mais bem-sucedidas em seus cargos. Apesar de entender e respeitar os pontos, não acredito que esse é o caminho para entregarmos oportunidades mais justas. É urgente começarmos a falar sobre essas divisões de funções masculinas e femininas (extra mundo corporativo) que foram impostas pela sociedade. É a partir dessa igualdade que veremos a transformação dentro das empresas.”
SANDRA TAKATA
Durante a faculdade de jornalismo, Sandra Takata criou um jornal no bairro do Jabaquara, em São Paulo, junto com um grupo de amigos. Foi sua primeira experiência como empreendedora. Logo depois, foi selecionada no Prêmio Abril de Jornalismo e trabalhou como trainee na revista Capricho. Em paralelo, casou-se, engravidou e foi contratada grávida para trabalhar em um jornal que circulava no Japão.
Quando sua filha nasceu, escolheu fazer freelas em casa. Foi recontratada para trabalhar no mesmo jornal que circulava no Japão, que agora tinha a Globo Internacional como parceira. Com sua segunda gravidez, deixou a redação e começou a atuar na agência fundada por seu marido. O primeiro cliente foi a Associação ECR Brasil, que congrega indústria, varejo e empresas de logística, onde atua até hoje.
Foi nesse período que conheceu pessoas do setor e se envolveu com o Instituto Mulheres do Varejo, onde hoje é presidente e está desde os primeiros dias com as fundadoras. “Tenho o prazer de direcionar meu conhecimento e vejo que toda a minha formação jornalística auxilia as mulheres a ter mais vivacidade em suas falas. Por isso, também tenho prazer em atuar no Instituto e conscientizar sobre a importância da diversidade, especialmente em um setor que ainda é muito masculino”, afirma.
Empresas com diversidade em seu quadro profissional são mais bem avaliadas pelo consumidor. A pesquisa realizada pela Humanizadas, responsável pela premiação “As Melhores para o Brasil”, comprova essa questão. “O principal desafio para ampliar o número de mulheres em cargos de liderança é mudar o mindset de muitos líderes, que ainda não mantêm os mesmos padrões ao ocuparem essas posições”, explica ela.
Hoje, Sandra, que é Top Voice no LinkedIn, afirma que, para se tornar uma líder bem-sucedida, é preciso acreditar no próprio potencial. “Se podemos gestar uma vida, podemos gerir uma empresa. O desafio que nos diferencia é a gravidez e ainda enfrentamos preconceitos no mundo corporativo. Também sofri assédio quando jovem, assim como ainda ocorre com muitas mulheres. No Instituto, aconselhamos as mulheres a se posicionar de forma genuína e honesta.”
Fonte: Revista Eletrolar News – Edição #161