Começa uma nova jornada de compra
O comportamento do consumidor mudou com a pandemia? Ele fará suas compras tão somente online? A questão é complexa. Alguns apostam que sim e outros não veem grandes transformações, apesar do aumento das vendas pelo e-commerce no período em que as lojas ficaram fechadas. O que realmente mudou é a jornada de compra, porque agora o consumidor está em vários canais diferentes. “O que vai continuar é tudo o que se provou prático ou vantajoso para ele e não para a marca”, diz Ricardo Rodrigues, cofundador da Social Miner, empresa que atua com dados de comportamento e inteligência artificial.
No jogo pós-pandemia, ganha mercado quem entender que o mesmo consumidor está em múltiplos canais.
Pesquisa feita pela empresa em parceria com a Opinion Box mostra que, durante a pandemia, aumentaram bastante as compras por WhatsApp. Quando feitas da loja, chegaram a 40,7%. Pelo WhatsApp de vendedores, 27,9%. Para encontrar lojas online, 46,3% utilizaram sites de busca, 38,7% lançaram mão de aplicativos e 31,3% encontraram via Instagram. Este último teve representatividade de 43,6% entre comparadores na faixa de 16 a 29 anos de idade, mas no caso de pessoas com 50 anos ou mais o índice foi de apenas 12,7%.
A omnicanalidade sempre existiu, não é de hoje que as lojas vendem por telefone, mala direta e e-mail, lembra Ricardo. “A diferença é que agora há múltiplos canais, especialmente os digitais. O desafio é a capacidade de se ter uma visão única do cliente. É entender que a pessoa por trás do e-mail é a mesma que vai à loja física, é a mesma que está no telefone, e por isso é preciso saber como a marca ou a loja poderá entregar uma experiência unificada. É uma tendência que foi acelerada e que vai continuar se transformando conforme novos canais apareçam. Daqui para a frente, vai se sair melhor quem se adaptar mais rápido.”
Crescimento do online
Mais de 2 milhões de novos consumidores realizaram sua primeira compra pela internet durante a pandemia, conta Rodrigo Bandeira, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). “Eles devem continuar comprando online. WhatsApp, Twitter e redes sociais, por sua vez, também venderam mais no período. Em alguns casos, principalmente pela ausência de um canal da venda.”
No Brasil, a porcentagem de vendas online gira em torno de 5% a 6%, mas poderá chegar a 10% até o final de 2020, diz Alessandro Gil, diretor-executivo de omnichannel, e-commerce e marketplace da Linx, especialista em tecnologia para o varejo. “A dinâmica de vendas que conhecemos passará por grandes mudanças, e teremos de nos adaptar a uma nova normalidade, mais digitalizada, com maior número de entregas em casa e pagamentos sem contato. São padrões que poderiam demorar anos para serem alterados, mas já estão sendo adaptados agora, e não haverá volta.”
O varejo online já tinha uma posição bem estabelecida antes da pandemia, mas ainda competia bastante com a experiência de compra oferecida pelo físico, lembra Alessandro. “O físico tinha estoque diferenciado e sanava exigências do consumidor, como imediatismo para obter o produto e menos gasto com frete. A pandemia acelerou as compras a distância, entregas em casa e pagamentos sem contato. Então, é importante que o varejo se adapte a essa realidade.”
Economia digitalizada
A pandemia pode ter encurtado o caminho para a digitalização da economia, e tecnologias contactless, como QR Code e NFC, se tornarão mais presentes nas lojas, diz Thiago Chueiri, business development director do PayPal Brasil. “Quanto mais pudermos digitalizar a economia, mais inclusivos seremos. Podemos tornar os serviços financeiros mais acessíveis, convenientes e seguros, e trazer uma fatia gigantesca da população para a economia global. Entre abril e maio, chegamos a ter mais de 250 mil novas contas, um número histórico.”
Estudo da Global Consumer Survey, feito pouco antes da quarentena, mostrou que 82% dos brasileiros têm interesse em baixar um app para fazer autopagamento no varejo; 81% em utilizar a biometria para compras, e 76% para comprar online. O PayPal processa mais de 33,8 milhões de transações por dia e cerca de US$ 22 mil em pagamentos a cada segundo, aprendendo sobre padrões de gastos, comportamento e localização dos clientes para garantir transações seguras. “Devido à escala de nossa plataforma, nos tornamos hábeis em diferenciar padrões normais de comportamento do cliente e os potencialmente fraudulentos. Usamos inteligência em tempo real”, conta Thiago.
Com a inclusão digital, surgiu a oportunidade de atingir novos mercados, diz Eduardo Vils, sócio-fundador e CEO da Justa, empresa que atua no segmento de meios de pagamento e crédito ao varejo. “No online não se tem a barreira geográfica, mas é necessário tomar mais cuidado do que nas vendas presenciais para minimizar o risco. Na pandemia, cresceu a venda através de links de pagamentos.
Varejistas reinventaram seus negócios e ofereceram novos serviços ao transformarem a sua máquina de cartões em máquina de crédito para pagar boletos. Geraram fluxo de pessoas para a loja e receita com a venda de outros produtos.”
Comportamento do varejo
No Brasil, a porcentagem de vendas online gira em torno de 5% a 6%, mas poderá chegar a 10% até o final de 2020.
O período mais crítico da pandemia foi enfrentado pelas redes varejistas de acordo com sua vocação. Algumas apostaram tudo no e-commerce, outras na fidelização de seus consumidores. Não foi fácil, mas fizeram a travessia e têm planos para os próximos tempos. Começa agora a batalha para trazer o consumidor de volta, como mostram os relatos a seguir.
Com o fechamento temporário de mais de 1.000 lojas em todo o Brasil, fortaleceu suas plataformas digitais e lançou o “vendedor online”, ferramenta que possibilita a compra em seus sites com atendimento de um vendedor especializado, e, também, o carnê digital. “É uma grande novidade para garantir que clientes não bancarizados ingressem nas compras online”, diz Josiane Terra, diretora de e-commerce da Via Varejo.
Esse novo tipo de venda deu certo e deve continuar com a reabertura das lojas físicas. Os vendedores estão equipados com celulares e as unidades têm Wi-Fi para que possam fazer as vendas também via WhatsApp. A rede está usando sua estrutura de inteligência artificial para acessar uma base de dados com mais de 85 milhões de clientes e entender cada necessidade, de acordo com o comportamento de compra.
A loja física continuará tendo seu espaço, mas com menor participação devido aos novos hábitos de consumo, diz Josiane. “O mundo não será mais o mesmo depois da pandemia. As empresas que se preparam para ter suporte e qualidade em seus respectivos canais de venda e atendimento estarão à frente no mercado em que atuam.”
Em abril, a empresa adquiriu a ASAP Log e tem usado o estoque e parte do espaço físico das lojas como minihubs, somando mais de 1.000 pequenos distribuidores em todo o País. Com isso, entrega um número expressivo de produtos em 24 horas. “Nossa maior venda vem do e-commerce e dos apps. Trabalhamos forte no crescimento exponencial da base de usuários ativos nos apps, saímos de 1,5 milhão em junho de 2019 para 15 milhões em junho deste ano. Já somos uma operação mobile first, em que o mobile (m.site + apps) representa mais de 50% da venda do online”, conta Josiane.
Com 279 lojas em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro, dobrou as vendas durante a pandemia, em comparação com o mesmo período de 2019, mesmo sem ter e-commerce. “Hoje, ele não é um bom negócio, não se sustenta”, diz o supervisor-geral José Domingos Alves. Não se trata de ir na contramão, mas sim atuar em outro formato, o “varejo de gente para gente”, define o executivo. Por isso, também não vende garantia estendida. “Nosso negócio não é vender serviço”, diz. Apenas na pandemia valeu-se do WhatsApp.
Do total das vendas, 70% são efetuadas via carnê. Como é comum os clientes irem às lojas fazer o pagamento, a rede enviou mensagem a eles, logo no início da pandemia, informando que não cobraria juros enquanto persistisse o fechamento das unidades. Veiculado no rádio, na televisão e nas mídias sociais, o anúncio teve forte repercussão e fidelizou mais seus consumidores.
Terceiro maior faturamento do varejo brasileiro, R$ 5,5 bilhões em 2019, a rede não demitiu, manteve os salários e pagou todos os fornecedores, mesmo sem receita no primeiro momento da pandemia, conta José Domingos. “Nossa estrutura de caixa é sólida, não tivemos dificuldades. Nesses 68 anos de atividades, completados em julho último, não fechamos nenhuma loja e mantivemos o padrão de 1.400 m² em todas. Trabalhamos com ampla linha de produtos, então temos que ter exposição adequada e conforto para os clientes. Estamos no caminho certo.”
Este ano, investe R$ 150 milhões na construção de um centro de distribuição em Salto (SP), com 100 mil m², que começará a funcionar parcialmente em outubro próximo. Em julho, inaugurou uma loja no Rio de Janeiro. Este mês, abre outra em Ilha Bela (SP), e três estão em construção, no interior de São Paulo. “Estamos confiantes e fazendo a nossa parte”, afirma José Domingos. Em sua opinião, 2021 será um ano de recuperação.
Devido a um imprevisto, a empresa ficou fora do e-commerce e teve que acelerar a nova plataforma, que entraria em operação no mês de agosto. Até junho, quando veio a abertura parcial, lançou mão de vários meios para manter as vendas, conta o presidente Ubirajara Pasquotto. “No primeiro instante, paramos para analisar a situação e o que tínhamos de ferramentas, além do nosso aplicativo. O WhatsApp, que usávamos como complemento, virou protagonista.”
O ocorrido foi um aprendizado, as medidas tomadas auxiliaram a passar pelo período, mas muita coisa mudou, diz Ubirajara. “O fato é que a gente não volta a gerir a empresa como antes. Adota outras tecnologias e uma visão mais acelerada da transformação, que passa, também, pela relação com o consumidor. Tudo isso virou instrumento normal de trabalho.”
Apesar da aceleração do e-commerce, a empresa não acredita que a loja física perderá espaço, pois ela será um assistente do consumidor na busca pelo produto. “Ele vai se preparar melhor para fazer a compra, chegará mais focado. Não vamos virar digitais, mas quem não atuar no conceito omnichannel estará fora do mercado”, afirma o presidente.
O varejo enfrentou com muita seriedade a pandemia. “Ele avançou muito mais do que estava na cabeça dos varejistas, e o nosso grande desafio, agora, é resgatar a confiança do brasileiro em transitar sem receio. A recuperação não será rápida, mas acredito que teremos um bom fim de ano”, comenta o presidente da Cybelar, rede com 80 lojas no interior e São Paulo.
A agilidade da equipe de TI e a renegociação com os fornecedores de produtos e serviços foram fundamentais para atravessar o período mais crítico da pandemia. “A empresa utilizou o seu estoque de credibilidade. Falamos com cada um deles pessoalmente e tivemos total adesão. Fomos os primeiros a fechar, em 20 de março. Foi o dia mais triste da minha gestão”, diz o presidente Otelmo Drebes.
Como 80% de suas vendas são parceladas, os pagamentos passaram a ser feitos via digital. O WhatsApp teve papel importante, respondeu por 20% das vendas. A empresa, que está há 64 anos em atividade e trabalha com eletrodomésticos e roupas, criou também o Lebes Bag para levar os produtos até a casa do cliente. O e-commerce, com o qual não trabalhava devido à baixa rentabilidade, agora é uma alternativa.
Hoje, o cliente escolhe como quer comprar e retirar os produtos, conta o presidente. “Compra online e recebe em casa, em duas horas. Temos empresa própria de logística e pequenos centros de distribuição. Ou, então, retira na loja. Também escolhe a forma de pagamento, do carnê até o digital. Temos que nos adaptar à situação”, diz Otelmo.
As vendas online irão aumentar, mas não afastarão o consumidor da loja, garante o presidente. “Não adianta pensar que as pessoas irão comprar tudo pela internet. Elas gostam de ir às lojas, utilizam-nas como pontos de encontro. São os shoppings das cidades pequenas.” Com 160 unidades no Rio Grande do Sul e três em Santa Catarina, a Lebes projeta abrir outras, mas com metragem menor, cerca de 600 m², contra os atuais 1.000 m² .
Mais de 2 milhões de novos consumidores realizaram sua primeira compra pela internet durante a pandemia.
Em 2019, a rede Novo Mundo sentiu a necessidade de buscar uma metodologia para unir todas as suas pontas e atuar de vez no conceito da multicanalidade, conta o CEO José Guimarães. “Iniciamos um projeto para todos os canais conviverem sem fronteiras, isto é, com o mesmo mix de produtos, preços, meios de pagamento, prazos de entrega e comunicação. A implantação seria em dois anos, exigiria uma transformação na empresa e mudança no perfil dos colaboradores, mas a pandemia acelerou o processo.”
Nesse conceito, as lojas são menores – a média de 1.100 m² caiu para 450 m² – e o consumidor escolhe o canal e o local onde quer comprar, receber ou retirar os produtos. “Hoje, ele exige conveniência”, afirma o CEO. No projeto, a empresa teve a colaboração da Fundação Dom Cabral no estudo para mapear o perfil das gerações. E, hoje, tem vagas para os que buscam o primeiro emprego e para aposentados. “Atingir o propósito da empresa é maior do que bater a meta de vendas”, diz José.
Em julho último, inaugurou quatro lojas com o conceito multicanal e serviço de autoatendimento em Anápolis, Goianira, Inhumas e Nerópolis (GO). Promete outras 26 até o final de 2020 e garante que até 2021 todas serão nesse formato. O investimento de R$ 80 milhões deverá ter rápido retorno, como mostram os primeiros resultados. “Em junho, as vendas cresceram 25% sobre o mesmo período do ano passado e mantiveram o mesmo ritmo em julho”, conta o CEO.
Antes da pandemia, o canal físico vendia mais que o online. Este, porém, em abril, cresceu 30% sobre o mesmo mês de 2019. O WhatsApp respondeu por 12% das vendas no período, e o marketplace já tem mais de 500 sellers em prospecção. As 135 unidades da rede estão nos Estados de Tocantins, Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Pará e Amazonas, além do Distrito Federal. “O futuro é de lojas menores, integradas com o online e testando soluções totais de produtos e serviços ao consumidor”, aposta José Guimarães.
Dona da Americanas, Submarino, Shoptime e Sou Barato, a empresa acelerou nos últimos três anos o modelo híbrido de plataforma digital, que combina vendas diretas, marketplace e serviços. Nesse período, o sortimento dos sites cresceu acima de 10 vezes, chegou a 31,7 milhões de produtos em mais de 40 categorias. Até o fim de 2022, a expectativa é que aumente para mais de 100 milhões de produtos nacionais, importados e de marcas exclusivas.
Durante a pandemia lançou a campanha #Apoieocomerciolocal nos sites Americanas, Submarino e Shoptime, incentivando o consumidor a comprar de pequenos empreendedores locais. Nos primeiros 15 dias da campanha, os hotsites registraram mais de meio milhão de acessos relacionados a buscas do comércio local.
Para garantir capital de giro aos lojistas parceiros, ampliou a oferta de crédito. Passou a contar com condições especiais, como carência de até 75 dias para o início do pagamento das prestações do crédito adquirido junto à companhia, possibilidade de renegociação de contratos e realização de repasses semanais, em vez de quinzenais.
No início da quarentena, produtos de primeira necessidade, de categorias como alimentos e higiene e limpeza, ganharam relevância nas buscas do Google. Na sequência, aumentaram as buscas de algumas categorias que sinalizaram que os brasileiros estavam adaptando suas rotinas para dentro de casa, como equipamentos esportivos, games, brinquedos, livros e informática. Depois, cresceu o interesse por eletroportáteis como máquinas de pão e de café e aspirador de pó. De 4 a 10 de julho, as categorias de casa, como móveis, decoração, cama, mesa e banho, foram algumas das que mais cresceram na comparação com o mesmo período de 2019.
Por Leda Cavalcanti
Fonte: Revista Eletrolar News 137