AOS 69 ANOS, COM FÔLEGO DE 19
por Carlos Clur
A terceira maior varejista do Brasil, que começou sua história como bicicletaria, tem uma forma peculiar de atuação. O verbo arriscar não faz parte do vocabulário da empresa. Todos os passos são muito bem estruturados. Capitalizada, investe este ano cerca de R$ 200 milhões, um quarto deles em energia limpa e o restante na construção de seis lojas, que se somarão às 288 filiais em funcionamento, e na conclusão das obras de novo centro de distribuição, que duplicará a capacidade de estocagem.
Suas lojas, cada uma com 1.400 m² de área para exposição de produtos, estão todas localizadas em prédios próprios. “A rede faz varejo da forma mais simples e eficiente, sem a pretensão de ser a maior, mas sim a melhor”, afirma o supervisor-geral José Domingos Alves, nesta entrevista exclusiva para a revista Eletrolar News.
“Vamos entrar sim no comércio eletrônico, mas ainda não há uma data definida. Vamos entrar de forma estruturada e com segurança, mantendo nosso padrão de atendimento.”
Como uma bicicletaria se tornou a terceira maior varejista do País?
José Domingos Alves – Em 1952, Remígio Dalla Vecchia montou uma loja para conserto e venda de bicicletas, peças e acessórios em Salto, cidade que fica a 100 km da capital paulista. Assim se manteve até 1956, quando os filhos do fundador constataram que havia mercado para a introdução de eletroportáteis no negócio. A empresa era pequena. Na época, não tinha recursos financeiros. Dessa forma, tomava crédito de pessoas que guardavam o dinheiro em casa. De juros, pagava 1% ao mês, bem mais que a poupança. Em 1966, quando entrou na categoria de móveis, precisou de espaço maior. Então, pagou todos os credores, mudou de endereço e, pouco depois, foi para o seu primeiro prédio próprio. Teve início, aí, a história de uma empresa fiel e agradecida à cidade de Salto, onde está sua sede. A sigla Cem (Centro de Eletrodomésticos e Móveis) foi escolhida em 1976 por meio de um concurso na região.
Desde então, como tem sido o crescimento da empresa?
JDA – Nossa média anual de crescimento é de 8% a 10%. Apesar de o País ter passado por situações complexas, na última década crescemos mais de 10% ao ano. Também, vale destacar, nunca deixamos de investir, nem mesmo com a pandemia. Hoje, contamos com mais de 11 mil funcionários.
“Estamos investindo em energia fotovoltaica, já temos 140 lojas funcionando nesse esquema. Até meados do próximo ano, todas as nossas unidades terão energia limpa e renovável.”
Qual é o investimento neste ano?
JDA – Estamos investindo cerca de R$ 200 milhões na construção de seis lojas, que vão se somar às 288 filiais da rede – que poderão chegar a 300 até o final do ano se a burocracia do País não atrapalhar, todas em prédios próprios, padronizados, para exposição de 4.000 itens, incluindo celulares, informática, móveis, bicicletas, utilidades domésticas e outros produtos do segmento de bens duráveis. Também estamos concluindo as obras do novo centro de distribuição, em Salto (SP).
É vantajoso investir em prédios próprios?
JDA – É um bom negócio porque temos capital. No grupo, são três empresas: Lojas Cem S/A, Cem Administração e Participações S/A, proprietária de todos os imóveis da rede, e PubliCem Publicidade, que responde pela comunicação. Nossas lojas pagam um aluguel para a Cem Administração, como se fossem inquilinas. Embora muitos especialistas digam que não é bom imobilizar o capital, imagine o que seria renegociar todos esses aluguéis durante a pandemia, quando as lojas ficaram fechadas por 70 dias, se não tivéssemos prédios. Com prédio próprio, o crescimento ocorre de modo mais lento, porém sustentável.
Em quais Estados estão as lojas?
JDA – Temos 224 lojas no Estado de São Paulo, 22 no Rio de Janeiro, 24 em Minas Gerais e 18 no Paraná, todas num raio de até 650 km do centro administrativo e de distribuição da rede, em Salto. Neste ano, inauguramos lojas em Rio Grande da Serra, em Biritiba Mirim, a segunda em Indaiatuba, a primeira em Campinas (SP) e em Mangaratiba (RJ). Em construção estão as unidades de Miguel Pereira (RJ), Assis, a segunda loja em Limeira, a segunda em Campinas, em Mairiporã, e a segunda em Atibaia, todas no Estado de São Paulo. Também compramos terrenos para abrir a primeira em Parati (RJ) e a segunda loja em Taubaté e em Ribeirão Preto (SP).
O novo CD aumentará em quanto a capacidade de armazenamento?
JDA – A área de armazenagem da rede será elevada de 116.600 m² para 233.200 m². Localizado ao lado do primeiro centro de distribuição da empresa, construído há 19 anos, este é mais tecnológico. Com o mesmo espaço físico colocaremos maior número de produtos devido ao pé-direito mais alto. Consequentemente, poderemos comprar maiores quantidades e faremos negócios ainda melhores com os fornecedores. O espaço nos permite armazenar produtos para 600 lojas, isso facilitará o nosso crescimento. Dobramos a capacidade de estoque e nos preocupamos com a sustentabilidade.
“A área de armazenagem da rede será elevada de 116.600 m² para 233.200 m² com o novo centro de distribuição. O espaço nos permitirá armazenar produtos para 600 lojas. Poderemos comprar maiores quantidades e fazer negócios melhores com os fornecedores.”
De que forma?
JDA – No novo centro de distribuição está instalada uma das maiores usinas de energia solar em área suspensa do País. Estamos investindo em energia fotovoltaica, já temos 140 lojas funcionando nesse esquema. Até meados do próximo ano, todas as nossas unidades terão energia limpa e renovável. Não conheço nenhuma rede de lojas que investiu R$ 50 milhões para tal fim. Atuando de forma sustentável, também economizamos, pois, com a energia fotovoltaica, uma conta de luz, por exemplo, baixa para cerca de 2,5% de seu antigo valor. Em cinco anos, reaveremos o investimento. O que sobrar de energia poderemos ceder para empresas de distribuição.
A empresa está dentro das normas da ESG?
JDA – Em todos os pontos, corporativo, ético, social e ambiental. Não compramos móveis, por exemplo, sem conhecer a procedência da madeira. A origem da matéria-prima é fundamental para nós. A cada loja que abrimos, geramos de 30 a 40 empregos diretos. Nunca pagamos uma duplicata em cartório. A ESG será fundamental para as empresas. Então, também terá que fazer parte do varejo.
Como é a logística da empresa? Tem frota própria?
JDA – No início, tínhamos frota própria, mas hoje o serviço é terceirizado. A entrega é mais racional, rápida e feita com maior cuidado. Utilizamos carretas que descarregam os produtos em entrepostos e, destes, eles seguem até o consumidor em veículos de menor porte. Nas cidades mais distantes, a entrega se dá em 48 horas, no máximo.
Qual o faturamento esperado para este ano?
JDA – A expectativa é de R$ 6,3 bilhões. Em 2020, nosso faturamento foi de R$ 5,7 bilhões.
Quanto vale a rede? Há planos para entrar na Bolsa de Valores?
JDA – Não temos interesse em saber o valor. É uma empresa de trabalhadores, não de investidores.
“Quem se expande nacionalmente encontra dificuldades. Nos últimos anos, mais de 40 concorrentes deixaram de existir, isso não é um bom sinal. Mercado que fecha empresas preocupa. Em 69 anos, nunca fechamos uma loja.”
É um jeito próprio de ser?
JDA – Temos nossas particularidades, pode até parecer que estamos “fora da caixinha”, mas aí está o segredo de uma empresa capitalizada. Ela negocia com o próprio grupo e não paga aluguel para ter lojas. Banca todo o funcionamento e os credores. No caso de prestações em atraso, nossos juros são de 1% ao mês – basta comparar o que isso significa frente ao que é cobrado pelo cartão de crédito. Na pandemia, não cobramos juros enquanto as lojas estavam fechadas, inclusive incentivamos os consumidores a não saírem de casa para pagarem o carnê. O resultado da atitude se traduziu em reconhecimento e fidelidade.
O carnê é um bom negócio? Qual sua representatividade no total das vendas?
JDA – É uma forma de alavancar as vendas. Se todo varejista tivesse como financiar as vendas, ele trabalharia com essa modalidade. Na nossa rede, o carnê representa 70% das vendas. O cartão (crédito e débito), 14%. E os pagamentos à vista chegam a 16%.
Qual é a participação das categorias de produtos nas vendas?
JDA – Vendemos tudo para uma casa. A linha branca, os celulares, os eletroportáteis e produtos de informática respondem por 72% das vendas. A participação de móveis é de 28%. Montamos gratuitamente esses produtos. Celulares e televisores com tela grande são os itens mais procurados no momento.
Quem é o público da rede?
JDA – Atendemos todos os públicos. Na linha de móveis, há predomínio dos consumidores das classes B, C e D.
Como o senhor define Lojas Cem?
JDA – É uma empresa estruturada, íntegra, moderna e capitalizada. Ela faz o que tem de ser feito e da forma mais simples e eficiente possível. Não há jeito certo nem errado de fazer varejo. Nosso varejo é feito por gente e voltado para gente. Não temos a pretensão de ser a maior rede, mas sim a melhor. É dirigida por um conselho formado por quatro diretores – três filhos e o genro do fundador.
E o e-commerce? Quando começa a operação?
JDA – Vamos entrar, sim, no comércio eletrônico, mas ainda não há uma data definida. Vamos entrar de forma estruturada e com segurança, mantendo nosso padrão de atendimento. Adquirimos a mais recente tecnologia da SAP (empresa alemã de software, uma das 10 mais valiosas do mundo), utilizada por 80% do PIB mundial. Compramos toda a tecnologia da cadeia de varejo, desenvolvida para atender às nossas necessidades. Hoje, se fecharmos a negociação de um produto até o meio da tarde, em 48 horas ele estará calibrado em todas as nossas lojas, isto é, com a quantidade certa para cada uma delas. Nenhum concorrente nosso consegue fazer isso.
A rede também vai atuar no marketplace?
JDA – Avaliaremos oportunamente.
Como o senhor vê o varejo brasileiro?
JDA – Fazer varejo no Brasil não é fácil, há uma diversidade de leis e normas. Quem se expande nacionalmente encontra dificuldades. Nos últimos anos, mais de 40 concorrentes deixaram de existir, isso não é um bom sinal. Mercado que fecha empresas preocupa. Em 69 anos, nunca fechamos uma loja. No mais, o varejo deve se preocupar com a venda, mas nunca se descuidar da loja. Precisa ser limpa, organizada e com funcionários bem treinados. O momento em que o consumidor entra em uma loja deve ser mágico, ele é um convidado, e assim precisa ser recebido.
A loja física vai passar por transformações?
JDA – A loja física está sempre se transformando. A tecnologia tem ajudado muito nesse aspecto e vai ajudar ainda mais. A loja física atrai, provando que as pessoas querem um contato pessoal. A pandemia mostrou isso. Mas ela tem que prestar um bom serviço, com equipe profissional munida de informações, focar na entrega dentro do prazo e no atendimento pós-venda, além de preço competitivo.
“O carnê é uma forma de alavancar as vendas. Se todo varejista tivesse como financiar as vendas, ele trabalharia com essa modalidade.”
Fidelizar o consumidor é um desafio para o varejo?
JDA – Sempre foi e sempre será o maior desafio. É preciso ter preço justo, tratar bem as pessoas, respeitar os direitos e deveres de quem compra e de quem vende. Com isso, meio caminho já está andado. Em 2014, criamos o projeto “Rumo ao mundo maravilhoso de Lojas Cem” para lembrar ao nosso colaborador que temos um ambiente limpo, organizado e que nosso treinamento é voltado à preparação plena de cada um, o que inclui educação financeira, liderança e cuidados com a saúde. Na rede, não contratamos ninguém para ser gerente de loja de imediato, mesmo que tenha experiência. Todos passam por formação técnica e psicológica e fazem estágio nas filiais. Dessa forma conseguimos dar continuidade aos nossos princípios. É um diferencial que não queremos perder. Formar gente não é fácil, mas gera oportunidade para todos.
Lojas Cem compete com os grandes varejistas ou com os regionais?
JDA – Somos o terceiro faturamento nacional no ramo de varejo de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos. Pretendemos nos manter firmes, sempre prezando pela satisfação de nosso maior patrimônio, nosso cliente.
Fonte: Eletrolar News #144