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Matéria de capa / Casas Bahia
“Dedicação Total a Você”: O resgate das origens de Casas Bahia
Com mais de 1.000 lojas no País, a empresa, que vem de quatro trimestres consecutivos de crescimento, se reconecta aos clientes com o slogan que marca a sua trajetória.
por Dilnara Titara e Igor Lopes
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A marca Casas Bahia é uma das mais emblemáticas do varejo brasileiro e se conecta diretamente com as aspirações e necessidades do Brasil real. No comando da empresa desde maio de 2023, o CEO Renato Franklin está liderando a companhia rumo ao resgate de suas origens e transformação estratégica.
Nesta entrevista, ele conta como a volta ao foco em móveis, eletrodomésticos e tecnologia tem impulsionado a marca e consolidado sua posição como referência no setor. Compartilha desafios, aprendizados e os passos para equilibrar expansão com eficiência. Dá, também, uma visão clara sobre o futuro do varejo e o papel de Casas Bahia para democratizar o acesso ao crédito.
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Como está sendo essa volta às origens e de que forma ela influencia as estratégias atuais da empresa?
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RENATO FRANKLIN – A Casas Bahia tem 72 anos de história e, de fato, atende o Brasil real. Atende a classe A, mas também as classes B, C, D e E. São 108 milhões de clientes, quase 95% da população economicamente ativa do Brasil. Voltar para a nossa essência é fundamental por dois grandes motivos. Primeiro, que é onde está a nossa fortaleza. Nascemos vendendo móveis, eletrodomésticos e equipamentos de tecnologia. E, obviamente, durante a pandemia, por essa capilaridade, essa força de marca, veio a vontade de tentar fazer tudo. E aí a briga ficou muito cara e é difícil rentabilizar a venda de itens de tíquete baixo. Então, mudamos a estratégia, voltamos para móveis, eletrodomésticos, tecnologia, televisão, celular, notebooks. O início é sempre aquele desafio, uma vez que diminuímos em 14% a receita da companhia. Em compensação, temos crescido 30% em móveis, 20% em linha branca, 20% em celulares, e televisão continua o carro-chefe – lideramos há bastante tempo no Brasil todo. A companhia vem de quatro trimestres consecutivos de crescimento, com melhoria de margem e atendendo a população com essa marca tão forte e carinhosa. O slogan “Dedicação total a você”, sem dúvida, ajuda a reconectar. Acho que do ponto de vista de marketing, de awareness, crescemos bastante.
O que ocorreu no meio do caminho? Houve alguma aposta excessiva em tecnologia para um público que ainda não estava pronto? O que pode ter dado errado?
RF – Na verdade, o meu mandato é de disciplina de alocação de capital. Então, funciona quase igual a um fundo de investimento. Olho para cada negócio da companhia e para cada canal de venda. Naquilo que tem margem continuamos e, no que não tem, deixamos de fazer. Então, olhando para os negócios que tínhamos, algumas categorias, principalmente no e-commerce, havia margem negativa na última linha. Porque, inicialmente, parece que você está ganhando dinheiro, mas há um custo logístico para entregar na casa do cliente, no frete grátis e no parcelamento sem juros. Acho que a estratégia anterior estava muito na lógica do “vamos crescer para depois dar lucro”. E mudamos para “vamos dar lucro para depois crescer”. E aí focamos naquilo que a gente realmente tem força e escala. Na loja física, tenho um pouco mais de margem. A gente vende serviços junto e tem o carnezinho, que ajuda. O crediário tem uma penetração de 26% na loja física. No digital, a penetração histórica era 2,3%. Então, é mais difícil ter uma contribuição de rentabilidade. Conseguimos, recentemente, aumentar a penetração do crediário no digital para quase 10%. Isso vai nos possibilitar um crescimento também no e-commerce. A companhia era, antes, 50% loja física e 50% e-commerce, hoje é 60% loja física e 40% e-commerce. O e-commerce voltou a crescer já no quarto trimestre de 2024. Esperamos manter mais ou menos esses 60% e 40% com crescimento um pouco maior em loja física do que no e-commerce para os próximos anos.
Quais os maiores desafios dessa jornada e como a empresa se transformou para continuar relevante em um mercado tão competitivo?
RF – Ela mudou várias vezes, e acho que o maior desafio é como você mantém a cultura. A primeira alavanca do nosso plano estratégico é esse resgate da cultura de Casas Bahia. Então, voltamos à origem, uma dedicação total a você, com a loja ganhando muito, todo o time corporativo pensando e vivendo aquele ambiente e trocando informações com o vendedor. Isso traz o foco muito claro no cliente, em compromisso com a rentabilidade, muita simplicidade. O varejo precisa ser simples, a empresa é muito grande, tem mais de 40 bilhões de GMV, mais de 35 mil funcionários, a maior logística do Brasil, 25 CDs espalhados, um crediário gigante, mas tem que ser simples.
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Qual é o plano de expansão de vocês?
RF – O principal plano é o foco em eficiência operacional e crescimento da estrutura existente. Há, sim, uma abertura pontual de loja, mas o plano de expansão forte começa após 2025, no início de 2026, depois de arrumada toda a operação e ficarmos com um fluxo de caixa livre e robusto o suficiente que nos permita ter um Capex de expansão. Há mais ou menos 200 cidades nas quais enxergamos potencial para uma loja e também em algumas das 500 onde estamos presentes. Queremos ter mais market share no Nordeste, no Centro-Oeste e no Sul do Brasil, onde ainda há muito potencial de crescimento.
“A companhia era, antes, 50% loja física e 50% e-commerce, hoje é 60% loja física e 40% e-commerce. O e-commerce voltou a crescer já no quarto trimestre de 2024. Esperamos manter mais ou menos esses 60% e 40% com crescimento um pouco maior em loja física do que no e-commerce para os próximos anos.”
Como vocês estão equilibrando essa expansão com eficiência operacional, especialmente no cenário econômico desafiador como o nosso?
RF – Quando se consegue uma escala comercial junto ao fornecedor para trazer um preço competitivo no produto e ainda ter margem para pagar o custo da companhia, conseguimos crescer. Um lado que nos ajuda é que vemos a indústria de eletrodomésticos no Brasil se transformando. Tivemos a entrada de vários novos players, principalmente a indústria chinesa chegando, com novidades e bastante investimento para impulsionar. Eles investem bastante nas lojas físicas para a gente melhorar o mostruário e dar uma experiência melhor ao cliente, e isso estimula a indústria que já está no Brasil, seja ela internacional ou nacional, a também investir e trazer novidades. Esse movimento como um todo acaba estimulando a renovação dos ativos, então o consumidor vê uma geladeira mais eficiente de consumo e quer trocar a sua, uma televisão com inteligência artificial, um celular com câmera melhor, com mais memória. Há vários itens chegando com preços mais baratos que nos anos anteriores e com mais tecnologia. Isso nos permite estar sempre inovando, renovando e estimulando o crescimento. Ainda sentimos que grande parte da população brasileira tem vontade de trocar, tem renda, mas precisa de flexibilidade para poder pagar. Então, o crediário tem um papel-chave no crescimento. Ele é muito forte e tem sido uma alavanca bastante importante para possibilitar o crescimento da companhia, mesmo com o cenário mais adverso e com taxa de juros alta.
Quando você comenta sobre crediário, nos lembramos de uma música dos Mamonas Assassinas: “A minha felicidade é o crediário da Casas Bahia”.
RF – Há várias músicas espontâneas, isso é muito legal. São várias músicas da cultura popular brasileira que citam o crediário Casas Bahia. A marca Casas Bahia é uma marca do povo brasileiro. Somos Top of Mind há 19 anos consecutivos em eletrodomésticos e a marca mais lembrada entre todas as indústrias no Sudeste brasileiro.
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Isso é um lado positivo de vocês terem voltado ao nome Casas Bahia? Remete à confiança?
RF – Exatamente, e conversa com o nosso público consumidor. Quando se tem uma identidade para falar com o público do mercado de capitais, que era a Via, e outra que fala com o consumidor, você perde a oportunidade de uma conversa institucional como a nossa, de falar de nossas marcas que estão no coração de todos os brasileiros por gerações.
Vocês têm investido em Retail Media. Como essa área se encaixa na visão de negócio e quais são os objetivos nesse segmento?
“Retail Media é uma alavanca importante para o varejo como um todo. Em países mais desenvolvidos, há varejistas que têm 50% da receita vindo de Retail Media. Nosso plano não é dessa magnitude. Pensamos em um dígito de penetração. No longo prazo, se tiver 4%, já é transformador para a companhia.”
RF – Retail Media é uma alavanca importante para o varejo como um todo. Em países mais desenvolvidos, há varejistas que têm 50% da receita vindo de Retail Media. Nosso plano não é dessa magnitude. Pensamos em um dígito de penetração. No longo prazo, se tiver 4%, já é transformador para a companhia. Começamos recentemente, lançamos nossa plataforma em março de 2024 e a consideramos a mais completa do mercado, porque ela engloba realmente uma omnicanalidade. Temos atributos e propriedades fortes no e-commerce, trabalhamos muito com CRM, vendendo pela base de clientes que temos para fazer promoções específicas a um nicho de clientes. Também trabalhamos as mais de 1.000 lojas físicas. Temos mais de 50 mil telas expostas, onde conseguimos colocar a mídia da indústria ou do fornecedor vendendo aquele produto. Isso tudo junto, trabalhando em loja física, com o e-commerce e numa frente de data monetization, tem um potencial muito grande. O retorno para o fornecedor também é muito bom, porque ele pega o cliente já no fim do funil. O cliente entrou na loja decidido a comprar e aí está a oportunidade que ele tem de o influenciar para a sua marca e vender o atributo dela. Este ano já vai fazer cerca de uma centena de milhões de reais de receita, com a margem de quase 80%, e enxergamos que há espaço para, pelo menos, dobrar no próximo ano.
Como você vê os principais desafios e oportunidades para o setor nos próximos anos?
RF – Eu acho que vai passar muito por experiência do cliente. O cliente quer loja física, ela continua como um driver importante. Quando falamos de um bem de alto valor agregado, mais de cinco, seis mil reais, que é o preço de uma televisão, uma geladeira, o cliente quer ir lá e olhar o produto para decidir. E, às vezes, também quer ajuda, porque há milhões de modelos de televisores. Ele quer comprar uma televisão, mas tem perguntas sobre o que precisa. É para ambiente claro ou escuro? Preciso pagar por essa tecnologia ou aquela outra me atende? Vou jogar? Vou ver mais futebol? Vou assistir a séries? Então, para cada tipo de uso, há um equipamento que vai ser o melhor custo-benefício para aquele cliente. O nosso vendedor atua como um consultor de vendas. E eu entendo que o varejo tem muito a evoluir com esse foco na experiência do cliente para poder sempre trazer novidades, sempre sendo aquele ponto que zera a fricção ao cliente e facilita a compra. Sem dúvida, essa tem sido a fortaleza da companhia. Quando vemos as vendas do e-commerce, quase 25% delas são impulsionadas pelo nosso vendedor falando por WhatsApp com o cliente e ajudando na escolha do produto. Então, acho que essas são as principais alavancas voltadas para a experiência do cliente, trazendo competitividade e flexibilidade nos meios de pagamento.
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Como você vê a Casas Bahia nos próximos cinco a dez anos e quais são os grandes marcos que gostaria de alcançar durante a sua gestão?
RF – Temos uma visão muito clara para a companhia. Somos líderes na venda de eletrodomésticos e queremos, sem dúvida, nos manter como a melhor varejista de eletrodomésticos e móveis do Brasil, sendo referência e primeira escolha para todos os consumidores, oferecendo uma jornada simples, descomplicada e personalizada em qualquer canal. Temos uma liderança muito forte no Sudeste. Quando olhamos São Paulo e Rio de Janeiro, apesar de estarmos crescendo e ganhando participação, o market share já é muito alto. Quando olhamos o Nordeste, o Centro-Oeste e o Sul, o potencial de crescimento é maior e ali teremos uma expansão mais forte de lojas para chegarmos aos mesmos níveis de market share que temos no Sudeste.
Quais os grandes marcos que você quer deixar de legado?
RF – Acho que o principal marco é melhorar a rentabilidade da companhia através de maior eficiência operacional, o que nos possibilitará ser mais atrativos do ponto de vista de opções de crédito. Hoje, o custo do crédito no Brasil é muito caro, seja pela taxa de juros, seja por todo o custo de operação. Se ficarmos mais eficientes, conseguimos ser mais competitivos e oferecer um crédito mais barato para a população que precisa. O outro marco é voltar a crescer e gerar emprego. A inclusão verdadeira é o emprego formal. Isso dá dignidade às pessoas, permite a elas realizarem sonhos e dar uma condição digna para suas famílias. Esses são os dois principais marcos que eu gostaria de deixar.
Que mensagem você quer passar aos profissionais do varejo que acompanham a trajetória de Casas Bahia e buscam inspiração para os seus negócios?
RF – Mais do que sermos otimistas, precisamos entender que há oportunidades. Estamos vivendo um cenário macro desafiador, e acho que o brasileiro sempre gosta de reclamar mais do que deveria. Os últimos 10 anos foram desafiadores para a economia brasileira, e há vários cases de crescimento consolidado e forte. Nesse último ano, se olharmos para Casas Bahia, o mercado não foi diferente. O macro foi desafiador, e ainda tomamos a decisão dura de deixar algumas categorias e reduzir um pouco o tamanho da empresa. Conseguimos fazer isso ganhando eficiência operacional e aumentando a margem. Há quatro trimestres consecutivos e com um crescimento importante nas categorias core ao longo de quatro trimestres, mostramos que o Brasil tem sempre muitas oportunidades e que conseguimos sim, se trabalharmos duro e com disciplina, captá-las e gerar valor para todos os stakeholders, bem como empregos e colaborar para o crescimento das pessoas.
“Desafios e oportunidades para o setor vão passar muito pela experiência do cliente. Quando falamos de um bem de alto valor agregado, mais de cinco, seis mil reais, que é o preço de uma televisão, o cliente quer ir à loja física e olhar o produto para decidir. E, às vezes, também quer ajuda, porque há milhões de modelos de televisores.”
Fonte: Eletrolar News ed. 165