Magalu mira expansão em 5 setores para se tornar o “sistema operacional do varejo no Brasil” em 2021, diz Fred Trajano
SÃO PAULO – A varejista Magazine Luiza (MGLU3) mais do que sobreviveu em 2020: com as lojas físicas fechadas por alguns meses, investiu ainda mais na digitalização, lançou o Parceiro Magalu, plataforma que ajuda as empresas nas vendas online, expandiu as operações da Logbee, sua empresa de logística, e consolidou a transformação das lojas físicas em hub logístico, como se fossem mini centros de distribuição. As ações do Magazine Luiza subiram 130% entre 9 março de 2020 e esta terça-feira (9).
Passado um ano desde o início da pandemia, em 2021 a empresa vai dividir a atenção (e os investimentos) em cinco setores: produtos de supermercados; delivery de restaurantes; moda e beleza; pagamentos; e publicidade digital. “A pandemia catalisou o processo de digitalização. Atuamos bem na categoria de bens duráveis, como eletroeletrônicos e eletrodomésticos, mas outros segmentos ainda têm um potencial de crescimento muito grande e queremos aproveitar”, afirmou Frederico Trajano, CEO do Magalu.
Nesta segunda-feira (8), o Magazine Luiza divulgou seus resultados do quarto trimestre de 2020. No período, o lucro líquido ajustado da empresa ficou em R$ 232 milhões, alta de 40% na comparação com o mesmo período de 2019. No acumulado de 2020, por outro lado, o lucro líquido caiu 57,5% em relação a 2019, para R$ 391,7 milhões. As vendas totais da companhia subiram 60% em 2020, alcançando R$ 43,5 bilhões. E desse total de vendas, o e-commerce representou 65,6% – com alta de 120% no quatro trimestre de 2020.
O CEO afirma que a maior ambição do Magazine Luiza é se tornar o sistema operacional do varejo brasileiro e, por isso, planeja investimentos e aquisições em setores distintos – com foco nas operações online. Confira um panorama dos próximos passos da varejista:
Aquisições são estratégicas
A varejista vem apostando em aquisições em segmentos diferentes: entre julho a dezembro de 2020 foram adquiridas dez empresas. “As aquisições fazem parte do nosso quebra-cabeça, são peças que juntas vão consolidar a infraestrutura do que queremos ser: o sistema operacional do varejo”, ressalta Trajano. A ideia é apostar em empresas que vão complementar o ecossistema do Magalu, focando em negócios que vão aprimorar a oferta de serviços para pessoas físicas e empresas. Para além disso, as aquisições também vão ser direcionadas às empresas intermediárias nas cadeias nas quais a varejista atua.
“Eu quero aumentar a participação em diferentes mercados, e aumentar as vendas. Compramos a AiQFome, que tem parceria com 20 mil restaurantes e que atua em 450 cidades. Ela será plugada ao app do Magalu e, a partir da união de expertises, vamos ganhar espaço nesse segmento. Ao mesmo tempo, vamos investir nos intermediários, como a logística para aumentar a malha de entrega de tudo o que fazemos. Queremos explorar o potencial dos segmentos nos quais vemos oportunidades. Estamos de olho em novos negócios e os complementares”, explica Trajano.
No relatório de resultados do quarto trimestre, a empresa afirma que para fomentar todo o ecossistema, 2021 será o ano da logística. “Vamos acelerar significativamente os investimentos para converter nossas 1.300 lojas em pontos de apoio logístico para os sellers [vendedores parceiros], aumentar o número de centros de distribuição e automatizar essa infraestrutura. Logística, distribuição e entrega dos produtos vendidos pelos parceiros do marketplace serão um espelho perfeito do que já acontece com a operação dos produtos próprios”, diz o texto.
Trajano explica que sob o aspecto logístico o foco será investir mais no que a varejista já possui, e as aquisições ficarão concentradas nos setores que a empresa considera cruciais para continuar crescendo a partir de agora.
A companhia está capitalizada: nos últimos 12 meses, a geração de caixa ajustada foi de R$ 3,1 bilhões, aumento de 104% na comparação com os 12 meses anteriores, e o Magalu pretende usar os recursos para adquirir mais negócios.
Setores importantes para 2021
Considerando a meta de trazer negócios complementares para o portfólio da empresa em 2021, Trajano destacou cinco segmentos que receberão atenção especial neste ano e que o executivo considerou como as suas “principais avenidas de crescimento”. Em todos os casos, a companhia já vem investindo na aquisição de startups que podem impulsionar os serviços que vai oferecer em cada setor. Conheça:
a) Produtos de Supermercado
Na última semana, a empresa comprou a VipCommerce, plataforma de e-commerce que atende o varejo alimentar, permitindo que supermercados e atacarejos vendam online por meio do aplicativo do Magalu. “Com a inserção da empresa no nosso ecossistema, será possível combinar a categoria de mercado, que o Magalu já tem, à oferta de milhares de supermercados espalhados pelo Brasil e oferecer ao consumidor uma cesta completa de produtos — inclusive perecíveis. O segmento é um mercado de mais de R$ 500 bilhões por ano no Brasil”, diz o relatório de resultados.
Segundo Trajano, a VipCommerce era uma das poucas empresas de softwares de integração nesse tipo de segmento disponíveis no mercado.
b) Delivery de restaurantes
Ressaltada por Trajano, a AiQFome, comprada no início de setembro de 2020, é uma empresa de delivery que atua majoritariamente fora dos grandes centros urbanos, em 21 estados. A startup gera um GMV (volume bruto de mercadorias) anualizado de quase de R$ 1 bilhão e recebe cerca de 2 milhões de pedidos mensais. “Tem sinergia: ao plugar essa empresa ao novo app, que conta com 30 milhões de usuários mensais, a gente potencializa o negócio de delivery, no qual eles já têm expertise, e entramos de forma sólida nesse setor”, diz o CEO.
Segundo Trajano, o mercado brasileiro de delivery de refeições movimentou R$ 18 bilhões no ano passado. “Se levarmos em conta todo o mercado de alimentação fora de casa, o mercado potencial é de R$ 196 bilhões. Também vemos oportunidades”, diz.
c) Moda, beleza e estilo de vida
Outra frente é a de moda, beleza e estilo de vida. Em moda, a aquisição da Netshoes e Zattini, em 2019, marcou a entrada do Magalu no e-commerce da categoria. Mais recentemente, em 2020, a empresa investiu na compra da Hubsales, plataforma por meio da qual fabricantes de roupa oferecem seus produtos diretamente aos consumidores.
“Levaremos a digitalização a polos industriais de moda, conectando fabricantes diretamente ao consumidor final por meio do nosso marketplace. As categorias de moda e beleza, juntas, formam um mercado extremamente pulverizado, ainda pouco digitalizado e que movimenta R$ 223 bilhões anuais”, explica Trajano.
Em beleza, o Magalu adquiriu em 2013 o e-commerce Época Cosmésticos, que já era parceiro da varejista, e conseguiu aumentar a oferta de produtos como maquiagens, perfumes e cosméticos de forma geral.
d) Pagamentos
No ano passado, foram transacionados no Brasil R$ 2 trilhões em meios eletrônicos de pagamento, que incluem cartões de crédito, débito e pré-pagos, segundo dados da Abecs, associação que representa as empresas de cartões. Desse total, cerca de R$ 42 bilhões em TPV (volume total de pagamentos) passaram pelo ecossistema Magalu no último ano, de acordo com Trajano. Para ele, uma pequena fração diante do potencial que se pode alcançar.
A empresa já conta com o Magalu Pay, sua conta digital multicanal e integrada ao SuperApp. Em dezembro, o Magalu comprou a Hub Fintech, uma plataforma de serviços para contas digitais e cartão pré-pago, que movimentou cerca de R$ 7 bilhões em 2020.
A partir de agora, a ideia é conectar o Magalu Pay, a Hub Fintech e a Luizacred para abrir espaço para a criação e oferta de serviços financeiros digitais, como cartão pré-pago, cartão de crédito, empréstimos para pessoas físicas e jurídicas, seguros e cashback para os clientes e parceiros de marketplace – e tudo será executado no ambiente do app da varejista.
e) Publicidade digital
Em 2020, segundo dados da empresa de pesquisa de mercado eMarketer, o mercado de publicidade movimentou R$ 48 bilhões. A ideia do Magalu é ser também uma vitrine para anúncios digitais.
Em agosto passado, a empresa anunciou a compra do site de tecnologia Canaltech e da plataforma de publicidade Inloco, que ajuda os vendedores parceiros na atração de clientes através dos ads, anúncios online que podem ser direcionados a públicos específicos e que tendem a ser mais assertivos.
Diversificar demais pode ser um problema?
Segundo Trajano, esses segmentos vão ajudar o Magalu a atravessar 2021 com um certo fôlego, mesmo diante da piora da pandemia e da incerteza econômica. Ele entende que o Magalu está bem posicionado em todos esses setores por já ter um app que hoje conta com 33 milhões de usuários mensais, por meio do qual os negócios e serviços serão gerenciados e concluídos.
“Não precisaremos gastar tempo e energia para erguer uma operação multicanal. Ela está pronta e madura. Estamos dando novos saltos na nossa multicanalidade. Vamos conectar as lojas umbilicalmente ao marketplace”, mostra o relatório da empresa.
Alex Antonio, professor de marketing estratégico da PUC-PR, lembra duas aquisições que o Magalu fez em 2017 e 2018: as startups Integra, que agrega sistemas e relacionamento de empresas do e-commerce, e a Softbox, especialista em soluções de varejo.
“No fim das contas, o Magalu trabalha com uma coisa: tecnologia e integração de sistemas. A compra da Softbox e da Integra lá atrás ajudam na consolidação dos novos negócios e plataformas: quando o Magalu faz uma aquisição, o processo de integração é próprio, o que minimiza os riscos e os possíveis ruídos. Por exemplo, a compra de uma plataforma que permite que os supermercados vendam online, não é entrar no segmento de supermercados, mas prover a infraestrutura de operação para esse setor. É um movimento inteligente”, avalia o professor.
Alexandre Machado, especialista em varejo e sócio diretor do Grupo GS& Gouvêa de Souza, pontua que, considerando a meta da empresa de ser o “sistema operacional do varejo”, apostar em cinco setores é diversificar os braços de negócio. “O varejo é amplo, faz sentido diversificar. Lembrando da aquisição da Netshoes, por exemplo, e também a da AiQFome, além dos investimentos no marketplace, eu diria que é bem nessa direção que está o crescimento. Como eles têm uma estrutura tecnológica muito robusta, é um dos poucos players que está conseguindo diversificar de forma sustentável”, afirma.
Um ponto de atenção, no entanto, é agregar tantas empresas com lideranças diferentes. “Fazer essa integração de maneira fluida, principalmente quando os setores são distintos, é um fator crítico de sucesso. São muitos segmentos e é preciso integrar o negócio, mas também é necessária a sinergia de longo prazo para sustentar tantas aquisições”, diz Machado.
Fred Trajano explica que hoje há um time na varejista focado em fazer essas novas integrações e organizar as estruturas das empresas que entram para o grupo. “Respeitamos os empreendedores fundadores e precisamos do know-how deles. A ideia é que, cada vez mais, através da nossa arquitetura tecnológica, as empresas que cheguem sejam capazes de fazer uma autogestão, baseada na cultura do Magalu, naturalmente, mas contando também com certa independência para atuar através da nossa infraestrutura”, explica.
Concorrência
A despeito do plano ambicioso de expansão, analistas de mercado ponderam que a forte concorrência entre as varejistas pode limitar as altas das ações das empresas do setor como um todo em 2021.
A Via Varejo, (VVAR3), dona das Casas Bahia e do Ponto Frio, divulgou números considerados sólidos no balanço do quarto trimestre. Mas não foi o suficiente para impulsionar as ações. O banco Credit Suisse, por exemplo, citou que a empresa foi a última a chegar na corrida do varejo online, portanto, apesar dos números robustos, o caminho pela frente é incerto devido às dificuldades que a empresa deve enfrentar para disputar espaço em um mercado já muito concorrido.
As Lojas Americanas e sua controlada B2W já são vistas com mais otimismo, mas porque acabaram de anunciar os planos de finalmente unir suas operações.
Ainda que os analistas avaliem que as ações do Magazine Luiza podem ser menos afetadas pela concorrência acirrada do setor, por ostentar alguns dos números mais positivos entre as varejistas e ter iniciado o processo de digitalização antes, alguns defendem que não há espaço para quatro grandes players no setor de varejo.
Em relatório divulgado após o balanço da B2W e da Americanas, na sexta-feira (5), o Bradesco BBI ressaltou que ambas as empresas começaram bem 2021, mas ainda assim prefere ficar fora dos papéis.
“Embora esperemos que as ações tenham um desempenho superior no curto prazo, mantemos nossa classificação neutra em ambas as ações, impulsionados por preocupações com a concorrência (para todos os quatro grandes participantes do comércio eletrônico [B2W, Americanas, Magalu e Via Varejo])”, diz o relatório do BBI. “Nossa preferência no segmento de comércio eletrônico continua sendo por empresas de menor porte e nichos de atuação como a Enjoei, que apresentam menor exposição às categorias de eletroeletrônicos e eletrodomésticos, e por atuar em uma categoria com baixa penetração do comércio eletrônico, com alto potencial de crescimento”.
Fernando Siqueira, gestor da Infinity Asset, também cita a concorrência como um forte risco ao falar das perspectivas para as ações de varejistas. “Dentre as quatro grandes varejistas, tenho preferência por Magalu, mas ainda assim acho que não tem espaço para tanto player no mercado. Isso sem falar dos planos agressivos de expansão do Mercado Livre e da Amazon no mercado brasileiro. E além de tudo isso, 2020 não deve se repetir”, diz.
O Mercado Livre anunciou, na semana passada, que vai investir R$ 10 bilhões no Brasil em 2021 com o objetivo de se consolidar ainda mais em seu principal mercado. Antes disso, já havia anunciado mais cinco centros de distribuição no país.
A Amazon, cuja receita passou da marca de mais de US$ 100 bilhões pela primeira vez no quarto trimestre de 2020, anunciou, no fim do ano passado, a implementação de um programa global de logística no Brasil para centralizar em seus próprios centros de distribuição o armazenamento, empacotamento e envio ao consumidor final dos produtos de parceiros de venda no marketplace com foco na entrega rápida. Lembrando que o prazo de entrega é um dos fatores mais levados em consideração pelo cliente ao decidir qual empresa escolher no comércio online.
Vários dos analistas mencionam que, além da concorrência, a redução do consumo é outro grande risco para o varejo em 2021. Além da previsão de uma segunda rodada do auxílio menor, o comércio online não deve repetir o ‘boom’ do ano passado. Com a rotação de ativos, investidores estão justamente saindo das ações ligadas ao varejo online e à tecnologia e partindo para ações mais cíclicas, como aquelas ligadas a commodities.
Fonte: infomoney.com.br
Por Giovanna Sutto